A CPI que o Planalto quer 26/04/2012
- O Estado de S.Paulo
Mais do que os políticos de outros partidos, os petistas parecem ter uma curiosa propensão para queimar a língua, abrindo jogos que os seus próprios interesses aconselhariam a manter fechados.
Há duas semanas, por exemplo, talvez por um misto de soberba e de servilismo para com o primeiro-companheiro Lula, o presidente do PT, Rui Falcão, proclamou que a agremiação pretendia usar a chamada CPI do Cachoeira, ainda em gestação, para apurar "esse escândalo dos autores da farsa do mensalão".
A revelação desmascarou a gana de Lula para que a investigação fosse conduzida de maneira tal a fabricar um nexo entre o contraventor, o araponga Dadá que trabalha para ele, o governador tucano Marconi Perillo, o senador então demista Demóstenes Torres, ambos goianos, e órgãos de mídia.
PUBLICIDADE
Perillo incorreu na ira eterna de Lula ao tornar público que o alertara para o esquema de compra de votos de deputados em benefício do governo, antes da irrupção do escândalo do qual alegava não ter conhecimento.
Já o araponga, presumivelmente em conluio com o seu chefe, que tinha pontes com Perillo e relações estreitas com Demóstenes, municiou reportagens inconvenientes para a cúpula petista.
Por último, ninguém superou Demóstenes no Senado como crítico contundente dos governos do PT. Eram motivos de sobra, portanto, para o confessado propósito de desfigurar em seu favor a agenda da comissão mista do Congresso, ainda mais se os seus trabalhos viessem a coincidir com o início do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal, esperado para os próximos meses.
O anúncio da armação há de ter influído na prudente atitude do PMDB de se distanciar da "CPI do PT" - cuja criação o presidente do Senado, José Sarney, considerou de saída coisa de "irresponsáveis". Anteontem, ele previu "algum tempo de muitas revelações e muitas turbulências".
Prova do desinteresse peemedebista foi a indicação de deputados e senadores de limitada densidade para as cinco vagas que lhe cabiam entre os 32 membros titulares da comissão, a exemplo do seu presidente, o senador de primeiro mandato pela Paraíba Vital do Rêgo.
Mas o presidente do PT não seria o único a mostrar precipitadamente a mão. O companheiro Odair Cunha, deputado por Minas Gerais no seu terceiro mandato e vice-líder da bancada petista, acaba de imitá-lo, embora ninguém possa acusá-lo de fazer parte da enfraquecida conspiração lulista para sequestrar a CPI.
Mas, escolhido relator da comissão - o seu cargo mais importante -, no que é tido como uma vitória da presidente Dilma Rousseff numa disputa surda com o antecessor, que preferia o paulista Cândido Vaccarezza.
Cunha, de 35 anos, teria sido mais esperto se dissesse uma platitude qualquer sobre o alcance do inquérito depender dos fatos a serem apurados, ressalvando, como ressalvou, que não haverá nenhuma "caça às bruxas".
Em vez disso, escancarou a determinação da presidente de controlar a CPI para delimitar o seu foco à oposição, ao declarar que "não se trata de uma investigação que necessariamente vá para cima do Planalto ou qualquer membro do governo".
Não é bem assim.
Se, como ressalta, o essencial é "o fato determinado" que deu origem ao inquérito - ou seja, as relações de Cachoeira com políticos e servidores públicos, desvendadas pelas Operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal -, ele teria de admitir, necessariamente, que uma dessas ligações a examinar envolve o subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais do Planalto, o petista goiano Olavo Noleto.
Há registro de conversa telefônica entre ele e o operador político de Cachoeira, Wladimir Garcês, ex-presidente da Câmara Municipal de Goiânia, preso junto com o contraventor.
E quando a investigação se voltar para os vínculos entre Cachoeira e a Delta - afinal, a CPI mira os seus elos com "agentes públicos e privados" - terá necessariamente de apurar eventuais malfeitos por trás da proeminência da empreiteira na execução do PAC.
Ou ainda a alegação do ex-diretor do Dnit Luiz Antonio Pagot de que perdeu o cargo por uma urdidura de Cachoeira no Planalto, depois de contrariar interesses da Delta no setor de Transportes. Ele não vê a hora de depor.