Agenda do precipício 08/05/2012
- José Paulo Kupfer - O Estado de S.Paulo
O mercado, essa entidade sem corpo nem alma, mas com um comportamento antropomórfico, como era de se esperar, ficou nervoso com a eleição do socialista François Hollande, para a presidência da França. Hollande venceu com discurso antiausteridade e sua eleição, num país-chave da União Europeia, trará consequências econômicas inevitáveis para a região.
Não foi, porém, pelo menos nas primeiras horas, uma reação descabelada. As bolsas europeias abriram em baixa, mas logo se reequilibraram - só a da Grécia desabou, depois da eleição também no domingo, que não definiu uma escolha clara, mas marcou a ascensão de radicais de esquerda e direita. Mais significativo, o Tesouro francês não enfrentou dificuldade para colocar o volume de títulos previsto, no leilão de bônus que realiza a cada semana. Nem mesmo os preços dos papéis se alteraram.
Pode-se especular sobre a reação moderada dos mercados, nesses primeiros momentos de quebra da relação simbiótica entre a França do derrotado Nicolas Sarkozy e a Alemanha de Angela Merkel, a férrea defensora dos planos de austeridade para a Europa - o tão louvado quanto criticado "eixo merkozy". É possível, por exemplo, que os investidores e seus agentes tenham percebido que, embora politicamente relevante, a ascensão de Hollande não encontrará, na economia, grande margem de manobra para efetivar o discurso de campanha.
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Mas é possível também, ainda que talvez possa ser uma visão excessivamente otimista, que os mercados estejam aos poucos se convencendo de que medidas isoladas de austeridade são insuficientes para tirar a economia europeia do buraco. Já são, afinal, três anos de esforços direcionados à reversão das políticas de bem-estar social, que mantiveram a Europa em paz por inéditas seis décadas e meia, sem que a situação econômica da região tenha apresentado algum esboço de reação - ao contrário, o quadro de deterioração só tem se agravado.
As ideias segundo as quais cortes nos gastos públicos seriam capazes de recompor o equilíbrio nas economias afetadas por grandes déficits e imensas dívidas estão sendo confrontadas com uma realidade inversa. Os desequilíbrios aumentam, numa conjuntura de renitente contração da atividade.
Da mesma forma, os argumentos que sustentavam as convicções de que reformas trabalhistas, flexibilizando benefícios, contribuiriam para abrir espaços à geração de empregos se mostram frágeis, na medida em que o desemprego, na Europa, assume cada vez proporções mais dramáticas - com um agravante trágico, expresso pela concentração no desemprego entre os jovens.
Apesar das dívidas públicas acima de 80% do PIB e dos déficits acima de 10% do PIB, cresce entre analistas graduados a convicção de que o DNA da crise vem do balanço de pagamentos - não das contas fiscais. Tudo indica que, quanto mais se insistir no diagnóstico fiscal, tanto maiores serão as possibilidades de agravamento dos problemas.
A contração promovida pelas medidas de austeridade tem resultado em menos aumento de arrecadação do que redução das despesas públicas. Ao mesmo tempo, a presunção de que, ao adotar programas de austeridade, os governos emitiriam sinais de responsabilidade suficientes para recuperar a confiança dos empresários em investir e dos consumidores em consumir, elevando a arrecadação tributária, já se provou fora da realidade. Como a fórmula está fracassando, o que ela estimula, inversamente, é uma generalização das desconfianças.
Ocorre que uma eventual oscilação do pêndulo, como a que se desenha agora, com a aceitação de uma vaga "agenda de crescimento", do tipo da que levou François Hollande ao Palácio do Eliseu, não significa nem de longe a existência de um caminho de baixo risco para a recuperação. Dificilmente uma combinação de um pouco menos de austeridade com um pouco mais de crescimento daria certo - quem sabe não seria a porta de entrada para o pior dos mundos.
O fato é que, tanto quanto a austeridade, a "agenda do crescimento" também exigiria a adoção de decisões políticas dramáticas. Os caminhos, segundo críticos apetrechados dos programas de austeridade, casos do Prêmio Nobel Paul Krugman e do colunista do Financial Times Martin Wolf, passam por rompimentos com a moeda única ou a produção de inflação nos países com superávit externo, principalmente a Alemanha.
É o caso de dar o benefício da dúvida à "nova agenda", visto que a atual faz água. Mas, provavelmente, ela não será capaz de acelerar a recuperação da economia europeia. Impossível acreditar que qualquer solução como as que estão sendo propostas possa ser adotada antes que a outra alternativa seja o precipício.