Uma grave distorção 30/05/2012
- O Estado de S.Paulo
Dos R$ 54,6 milhões doados por empresas para os 29 partidos políticos em 2011, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgados pelo jornal Valor, R$ 50,1 milhões, impressionantes 89,5%, foram recolhidos aos cofres do Partido dos Trabalhadores (PT). Tudo perfeitamente de acordo com as exigências da lei.
Mas a questão mais importante que esse quadro suscita não é legal. Tem a ver com os fundamentos da democracia, com os princípios éticos e morais sobre os quais ela necessariamente tem que se assentar para permitir a expressão da vontade do corpo social. Especialmente quando tem a ver com o sistema eleitoral e com o mais poderoso instrumento de manifestação daquela vontade: o voto.
Partidos políticos são entidades privadas de direito público indispensáveis ao pleno funcionamento dos regimes democráticos. Precisam dispor de recursos - para colocar a questão em termos esquemáticos - pela razão principal de que o processo de comunicação com o eleitor, para auscultar seus anseios e conquistar prosélitos, não prescinde do vil metal, especialmente na moderna sociedade midiática. Há partidos grandes e partidos pequenos, assim medidos por sua expressão eleitoral. Há os que são governo e os que lutam para chegar lá. E é natural que os maiores e os que já chegaram - principalmente estes, está visto - se beneficiem dessas condições na hora de arrecadar fundos.
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Mas quando apenas uma legenda, mesmo sendo a maior em termos eleitorais e detentora do poder central há mais de 9 anos, embolsa quase 90% das doações das corporações empresariais, é inevitável concluir que alguma coisa soa mal, está fora da curva, não é normal, enfim. Sem considerar a enorme ironia que significa o PT defender, como um dos pontos fundamentais da reforma política que preconiza, a instituição do financiamento público das campanhas eleitorais. Proposta fundada no argumento de que é preciso "democratizar" o acesso dos partidos aos recursos de que necessitam e manter as eleições a salvo da indesejável ingerência "do capital".
Este último argumento, justiça seja feita, é procedente. Empresas, pessoas jurídicas, não votam. Aquelas desprovidas de escrúpulos dispõem de meios muito eficientes para persuadir os governantes a auscultar seus anseios, como o noticiário político-policial do momento tem sobejamente demonstrado. Não é por outra razão, como revela ainda, sem surpreender ninguém, a reportagem do jornal paulistano, que os maiores doadores da iniciativa privada, responsáveis por quase metade dos recursos que os partidos recebem, são as grandes empreiteiras de obras públicas. Essas empresas, a rigor, não doam nada. Investem em benefícios futuros a serem pagos pelo cidadão-contribuinte. Por que, então, fingir que o financiamento de partidos políticos por empresas privadas é desejável e democrático?
A receita dos partidos políticos no Brasil é de origem mista, tanto privada quanto pública. Na primeira, além das empresas, as pessoas físicas também contribuem, em muito menor escala. Na esfera pública existe o fundo partidário. E há ainda a contribuição dos filiados. A grande aberração, no entanto, consiste exatamente no fato de que o grosso dos recursos provém de empresas, num sistema em que a regulamentação é confusa, a transparência é muito relativa e a fiscalização, deficiente.
A tese do financiamento apenas público é perigosa, porque esse sistema estará sempre vulnerável ao casuísmo dos poderosos de turno. Mais perigosa ainda se torna quando defendida por partidos que ambicionam a hegemonia absoluta, que já se desenha, por exemplo, numa distribuição privada de recursos que pouco tem a ver com ideais democráticos.
O único modelo que elimina os graves inconvenientes do financiamento tanto por parte de pessoas jurídicas quanto do poder público é o da contribuição de pessoas físicas, dentro de limites estabelecidos pela lei. É um sistema que cria um vínculo forte entre os partidos e seus eleitores e reforça o exercício de cidadania que significa a participação dos indivíduos numa campanha eleitoral. É claro que, pelo menos numa primeira etapa, a adoção desse modelo implicaria uma redução, talvez drástica, do afluxo de recursos para os cofres partidários. Mas não seria, com certeza, o fim dos partidos.