Para o bem do Supremo 31/05/2012
- O Estado de S.Paulo
Até a divulgação do que teria sido a conversa entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), intermediada pelo seu ex-colega Nelson Jobim, havia só uma - e crucial - razão para desejar que finalmente começasse o julgamento dos envolvidos no escândalo do mensalão. Nada menos que cinco anos se passaram desde que a Corte acolheu a denúncia do então procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra os cabeças, os operadores e beneficiários da compra do apoio de deputados ao governo Lula - e o risco de prescrição das penas a que viessem a ser condenados os 36 réus do processo evidentemente aumenta na razão direta da passagem do tempo. Sem falar que este ano se aposentam dois membros do Supremo e a escolha de seus substitutos pela presidente Dilma Rousseff se daria à sombra das especulações sobre os seus votos na hora do veredicto sobre os mensaleiros.
No entanto, desde o último fim de semana, quando Mendes apareceu na revista Veja acusando Lula de pressioná-lo no citado encontro para adiar o julgamento e de indicar que, em troca, impediria que a CPI do Cachoeira respingasse nele, pelo que seriam as suas relações com o senador Demóstenes Torres, parceiro do contraventor, dois outros motivos vieram a se agregar ao imperativo inicial de se levar o processo ao seu desfecho, com a presteza possível. O primeiro é óbvio: se o STF deixar de incluir o mensalão na sua agenda para os próximos meses, ainda que seja por alguma razão absolutamente legítima em matéria de procedimentos, será impossível remover da opinião pública a impressão desabonadora de que a Corte se curvou aos desejos do ex-presidente, tão cruamente manifestados, de acordo com o que saiu na revista. O segundo motivo para o Supremo Tribunal apressar os trâmites do caso - sem prejuízo do devido processo legal - também se relaciona com a preservação de sua integridade.
Com efeito, o STF não ficou imune à (tardia) iniciativa de Mendes de trazer a público o que teriam sido "as insinuações despropositadas" de Lula, nem ao torvelinho político levantado por suas afirmações, nem, principalmente, à destemperada entrevista convocada pelo magistrado, anteontem, numa dependência do tribunal. Tanto faz se as instituições fazem os homens ou se estes fazem as instituições, como os pensadores do poder discutem há uma eternidade. O fato é que, já não bastasse um ex-titular da Corte (e ex-colaborador de Lula) produzir relatos desencontrados sobre o que se passou no seu escritório e sobre por que se dispôs a abri-lo aos seus especiais convidados naqueles idos de abril; não bastasse o ministro do STF ter permanecido ali depois de ouvir as enormidades que diz ter ouvido; não bastasse Lula sugerir agora que ele mentiu, eis que, envergando a toga, Mendes o acusou de ser o irradiador de boatos construídos por "gângsteres, chantagistas, bandidos" para "melar" o julgamento do mensalão.
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Uma nota austera e cabal teria sido - para o ministro e para o tribunal que integra - a melhor resposta aos rumores de que as suas relações com o senador à beira da cassação seriam impróprias, além de tangenciar o bicheiro unha e carne do político goiano. Anexados ao texto os comprovantes divulgados na entrevista de que ele não foi nem voltou de Berlim nas asas de Cachoeira, quando ali esteve em companhia de Demóstenes - a questão que Lula teria sacado para acuá-lo -, e o assunto morreria. Em vez disso, excedendo-se, fez um comentário que muitos podem considerar constrangedor para a mais alta instância do Judiciário. Falando dos dois voos que fez no País com um colega e uma juíza do Superior Tribunal de Justiça, em aviões fretados pelo senador, perguntou, retoricamente: "Vamos dizer que o Demóstenes me oferecesse uma carona num avião que ele tivesse. Teria algo de anormal?".
Certa vez, ao apoiar a divulgação individualizada dos salários do funcionalismo, o atual titular do STF, Carlos Ayres Britto, observou: "É o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um Estado republicano". No caso da magistratura, a conta inclui a recusa a convites que outros cidadãos podem aceitar com naturalidade.