A agonia das Santas Casas 29/07/2012
- O Estado de S.Paulo
As dívidas das Santas Casas e dos hospitais filantrópicos no Brasil, acumuladas até maio, passam de R$ 11 bilhões, mostra um relatório da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara encaminhado no dia 11 de julho ao Ministério da Saúde.
A deterioração da situação financeira dessas entidades - que recebem remuneração insuficiente do Estado, embora sejam a principal força auxiliar do Sistema Único de Saúde (SUS) - ocorre continuamente desde a criação do SUS, em 1988. Agora, no entanto, o prejuízo é praticamente irreversível, o que obriga as entidades a se endividar cada vez mais.
Se nada for feito a respeito, o valor do débito atingirá R$ 15 bilhões em 2013 - em 2005, esse montante era de R$ 1,8 bilhão, conforme mostra o jornal Correio Braziliense (22/7 e 23/7). "Estamos caminhando para o maior colapso do sistema de saúde da história", disse o deputado Luiz Henrique Mandetta, presidente da comissão.
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O problema central desses hospitais é que o reembolso do SUS está muito aquém dos custos reais com internação e tratamento. Para cada R$ 100 gastos, são restituídos entre R$ 60 e R$ 65. Ou seja: os hospitais filantrópicos, na prática, pagam para atender pacientes que deveriam ser bancados pelo Estado.
Há casos, como o da Santa Casa de Tietê (SP), em que 90% dos procedimentos são gratuitos, por meio do SUS. Isso acontece porque há poucos pacientes com planos de saúde particulares. A lei manda que 60% dos atendimentos hospitalares sejam feitos por meio do SUS, e é com esse teto que os hospitais filantrópicos das grandes cidades trabalham, pois conseguem custear seus serviços com o que pagam os pacientes particulares e os planos de saúde. Nos municípios menores, como Tietê, porém, é preciso criatividade: os apoiadores da Santa Casa local, cuja dívida alcançou R$ 11 milhões, fizeram até rifa de carro para que ela sobrevivesse.
Em Votuporanga (SP), a dívida da Santa Casa, que faz 3 mil atendimentos por mês pelo SUS e é referência para os habitantes de outras 17 cidades do noroeste paulista, recentemente passou de R$ 25 milhões e seu setor de neurocirurgia teve de ser fechado. A maior parte do débito resulta de empréstimos bancários contraídos para pagar as contas.
O mesmo quadro se repete em outras cidades do interior. Mesmo em algumas capitais a situação não é muito melhor. A Santa Casa de São Paulo - o hospital que mais atende pacientes do SUS no País - vive em dificuldades financeiras. Estima-se que sua dívida cresça R$ 300 mil por dia. Em Belo Horizonte, a Santa Casa teve seus bens penhorados em razão de sua dívida com a Receita Federal. A entidade diz que isso aconteceu porque preferiu privilegiar o pagamento de fornecedores, manutenção de equipamentos e mão de obra, que é o que mantém o hospital funcionando.
A primeira medida óbvia para aliviar o problema seria reajustar o valor do reembolso do SUS. Essa equalização reduziria consideravelmente a necessidade de injeção de recursos do Ministério da Saúde. Por meio do Programa de Reestruturação e Contratualização dos Hospitais Filantrópicos e do Programa de Reestruturação dos Hospitais de Ensino no SUS, o governo federal destinou R$ 422 milhões nos últimos dois anos a 700 entidades. Esse aporte é um alívio provisório, porque o problema central se mantém, isto é, os hospitais filantrópicos são literalmente explorados pelo SUS.
Enquanto isso, as entidades convivem diariamente com um quadro de penúria. Nas cerca de 900 cidades brasileiras que dependem exclusivamente dos hospitais filantrópicos ou de Santas Casas, isso pode ser a diferença entre a vida e a morte. O dilema é que esses hospitais, por definição, não podem ter finalidade lucrativa e, ao mesmo tempo, devem prestar serviços de qualidade à comunidade, o que não se faz sem dinheiro.
A saúde é a principal preocupação dos brasileiros na eleição municipal de pelo menos seis capitais, como mostra recente pesquisa. Como as Santas Casas e os hospitais filantrópicos são responsáveis por 45% das internações do SUS e por 34% dos leitos hospitalares do Brasil, talvez não seja conveniente, nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista político, ignorar a importância dessa crise.