O estatismo vence a lucidez 18/08/2012
- O Estado de S.Paulo
O governo teve um surto de lucidez e decidiu chamar a iniciativa privada para cuidar de investimentos em rodovias e ferrovias, por meio de concessões e de parcerias público-privadas, mas o ataque foi contido. Figuras influentes no Palácio do Planalto defendem o modelo estatista para os próximos contratos de modernização e expansão de aeroportos. Segundo essa proposta, haverá um papel para a iniciativa privada, mas uma estatal, subsidiária da Infraero, deverá ser majoritária nas sociedades formadas para novos projetos aeroportuários. A tendência era conhecida e a presidente Dilma Rousseff mostra-se disposta a seguir essa orientação, segundo informou na sexta-feira o jornal Valor. A decepção com o resultado das licitações dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília teria reforçado essa inclinação.
Antes de qualquer decisão sobre o modelo a ser adotado, o governo deveria estabelecer com clareza seu objetivo. Qual a meta principal - a melhora dos serviços aeroportuários ou o controle, estatal ou particular, dos empreendimentos? De um ponto de vista pragmático, o mais correto é subordinar o modelo de associação ao propósito mais importante. O governo precisa do setor privado para o investimento e, quase certamente, para a administração dos aeroportos. Pelo menos a importância de atrair sócios particulares é reconhecida, sem dificuldade aparente, no Palácio do Planalto. Mas grupos privados, especialmente grupos sérios e competentes, estarão dispostos a entrar num empreendimento desse tipo, tão custoso e complexo, como minoritários? O próprio governo parece ter dúvidas quanto a esse ponto.
Além do mais, a decepção com as licitações anteriores está longe de ser um bom argumento a favor do abandono das concessões no modelo tradicional. As autoridades esperavam, segundo se comentou desde as licitações, a vitória de grupos com experiência na administração de aeroportos grandes e muito importantes na rede internacional de transportes. Os vencedores ficaram abaixo dessa expectativa, mas isso ocorreu, como foi reconhecido em Brasília, porque os critérios para habilitação foram relativamente brandos.
PUBLICIDADE
O reconhecimento desse fato poderia servir para o governo aperfeiçoar as licitações, elevando os requisitos para habilitação dos concorrentes. Seria essa a atitude racional e pragmática. Mas o preconceito ideológico parece ter sufocado a racionalidade e o pragmatismo.
Na prática, repetiu-se um padrão observado durante a maior parte dos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mantido, na maioria dos casos, na atual gestão. A tendência à centralização nunca foi abandonada. Além disso, a atual presidente sempre se opôs, quando ministra do governo anterior, à consolidação da autonomia operacional das agências reguladoras. As consequências dessa política são evidenciadas por graves problemas nos setores de energia e telecomunicações, indiscutivelmente mal regulados.
O anúncio dos planos de concessões e de parcerias no setor de transportes foi recebido, em geral, como sinal de arejamento no centro do governo. A presidente Dilma Rousseff estaria superando antigos limites ideológicos e valorizando mais amplamente a eficiência e o pragmatismo. Essa interpretação pode ter sido correta em relação a dois episódios - a definição da estratégia de investimentos em rodovias e ferrovias e a revisão crítica da política da Petrobrás, depois da troca de comando na empresa. Mas o impulso de inovação parece ter-se esgotado ou ter ficado restrito a umas poucas áreas da administração federal.
A extensão e o vigor da mudança ainda serão testados várias vezes nos próximos tempos. O governo ainda terá de cumprir várias etapas tecnicamente complexas para levar da intenção à prática os programas de investimento em ferrovias e rodovias. Por enquanto, os órgãos federais encarregados da elaboração e da avaliação de projetos têm-se mostrado geralmente ineptos e sem compromisso com metas de eficiência e de qualidade.
Até para transferir tarefas ao setor privado o governo precisa de um mínimo de competência gerencial. Esse problema a presidente Dilma Rousseff ainda terá de resolver.