A qualidade de um voto 22/08/2012
- O Estado de S.Paulo
Se o termo fatiamento e os seus sinônimos permanecem em cena ao se falar do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) - embora a questão do seu formato tenha sido tecnicamente encerrada no âmbito da Corte -, talvez se possa tomar de empréstimo a polêmica palavra para separar também o modo de proceder adotado pelo relator da ação penal, ministro Joaquim Barbosa, da substância dos votos que proferiu na semana passada e, principalmente, na segunda-feira.
Como se sabe, ele e o revisor Ricardo Lewandowski participaram de um confronto áspero e constrangedor quando o primeiro decidiu segmentar o seu parecer. Em vez de se pronunciar em um fluxo único sobre a peça do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que pedira a condenação de 36 dos 38 réus do "maior escândalo de corrupção do Brasil", Barbosa resolveu desmembrar a análise e as suas conclusões item a item, conforme a denúncia - o que, para o ministro Lewandowski, fere o regimento do tribunal.
Além disso, o relator preferiu definir a culpa ou a inocência dos citados em cada bloco, deixando a fixação das penas dos eventuais condenados para depois que todos os seus pares tiverem votado. A fim de rebater os comentários de que teria agido de inopino, lembrou que antecipara a sua conduta numa sessão administrativa da Corte, no início de junho.
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As suas decisões ainda darão muito o que falar - uma vintena de advogados dos réus, capitaneados pelo criminalista Marcio Thomaz Bastos, foram vencidos numa petição contra o modelo seguido por Barbosa, mas insistem que o devido processo legal está arranhado.
O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, além de considerar superada a matéria, lembrou que o sistema foi empregado em outro julgamento este ano, embora não se tratasse de um processo criminal.
É inegável, de todo modo, que o método de Barbosa se revelou lógico. Ao começar pelo capítulo terceiro da denúncia - que trata dos apontados desvios de recursos públicos na Câmara dos Deputados e no Banco do Brasil -, ele aplicou, como já se notou, a fórmula clássica de seguir a trilha do dinheiro.
Na última quinta-feira, ao cabo de circunstanciada exposição, condenou o então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, por peculato, corrupção e lavagem de dinheiro devido aos seus negócios com o publicitário Marcos Valério e os sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach.
Anteontem, sem se desviar da rota, mas já deixando entrever para onde, afinal, se encaminha, demonstrou pela primeira vez o nexo entre desvio de verba pública e pagamentos a políticos - o cerne do mensalão.
Exigiu paciência acompanhar a meticulosa reconstrução dos fatos envolvendo os contratos entre o Banco do Brasil, por intermédio do fundo Visanet, do qual a instituição detinha 32%, e a agência DNA, de Marcos Valério. Mas quem conseguiu se manter atento à interminável leitura do parecer de Barbosa, forçosamente há de ter concluído, sem parti pris, que ele fez a lição de casa com distinção e louvor, para não dizer à exaustão.
Passo a passo, com admirável meticulosidade, desmontou as enoveladas operações que começaram com o repasse de pelo menos R$ 73 milhões da Visanet para a DNA entre 2003 e 2004 - pelo que o então diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, foi premiado com R$ 366 mil - e terminaram, depois de um carrossel de movimentações bancárias, com a distribuição da dinheirama que Marcos Valério não abocanhou a políticos indicados pelo tesoureiro do PT à época, Delúbio Soares.
Barbosa fez mais do que provar a natureza pública dos recursos que irrigaram o esquema. Ainda que fossem privados, argumentou, foi um servidor público o responsável pelo desvio. Ele votou pela condenação de Pizzolato por peculato, corrupção e lavagem de dinheiro (configurado que foi o necessário "crime antecedente") e da turma de Marcos Valério pelos dois primeiros delitos - por ora.
Hoje será a vez de Lewandowski começar a proferir o seu veredicto. Qualquer que seja, é de desejar - a bem da Justiça - que o revisor rivalize com o relator no esmiuçar dos autos e na aptidão para juntar os fatos que se tentou ocultar.