Drogas, trágica liderança 17/09/2012
- Carlos Alberto Di Franco*
Pelo menos 2,8 milhões de pessoas no Brasil usaram cocaína de forma inalada ou fumada - via consumo de crack ou de oxi - nos últimos 12 meses. Esses números transformam o País no segundo principal mercado consumidor de cocaína do mundo, atrás só dos Estados Unidos, onde 4,1 milhões usaram cocaína no último ano.
Caso sejam considerados somente os que consumiram crack, o total chega a 1 milhão de pessoas no País, o que torna o Brasil o principal mercado consumidor do planeta. Mas, como os demais países pesquisados não separam o consumo de cocaína inalada e fumada, é difícil apontar o tamanho do mercado consumidor de crack nas outras nações.
Os dados constam do 2.º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas - o uso de cocaína e crack no Brasil, divulgado recentemente pela Universidade Federal de São Paulo e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Drogas. Foram ouvidas 4.607 pessoas com mais de 14 anos em 149 cidades.
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Em relação ao mercado de cocaína, o Brasil fica à frente até mesmo de continentes inteiros, como a Ásia, onde 2,3 milhões de pessoas usaram cocaína no mesmo período. No Reino Unido, que ocupa a terceira posição no número de consumidores, há 1,1 milhão de usuários.
"Há 30 anos o mercado de cocaína era quase inexistente. O Brasil foi um dos países com mais rápido crescimento do consumo de cocaína", diz o médico Ronaldo Laranjeira, organizador do estudo. "Esse trabalho mostra a necessidade de que haja um pensamento estratégico capaz de desmontar essa rede".
O mapa da dependência química, dramático e assustador, foi perfilado em excelente reportagem de Bruno Paes Manso, repórter do jornal O Estado de S. Paulo. A trágica liderança do Brasil no mercado mundial de entorpecentes traz gravíssimos problemas de segurança pública, saúde e assistência social decorrentes do consumo de drogas.
O hediondo mercado das drogas está, de fato, dizimando a juventude. Ele avança e vai ceifando vidas nos barracos da periferia abandonada e no auê dos bares e boates frequentados pela juventude abonada. Movimenta muito dinheiro. Seu poder corruptor anula, na prática, estratégias meramente repressivas. A prevenção e a recuperação, as únicas armas eficazes no médio e no longo prazos, reclamam um apoio mais efetivo do governo e da iniciativa privada às instituições sérias e aos grupos de autoajuda que lutam pela reabilitação de dependentes.
Não se faz jornalismo, nem mesmo matéria de opinião, fechado entre as quatro paredes de uma redação ou circunscrito ao rarefeito ambiente de um laboratório acadêmico. É preciso ver, ouvir, apurar, sentir, refletir e só então escrever. Nada supera o realismo da velha e boa reportagem. Com esse espírito, movido pelo dever de obter informação verdadeira, mergulhei na pauta assustadora: a dependência química.
Cabeça baixa, olhos cravados no chão, coração encharcado de dor. "Será que Deus ainda olha para mim?" Paira no ar uma tristeza densa, que se pode cortar. A falência da autoestima e o sentimento de culpa, à semelhança de uma laje de chumbo, esmagam a alma. A cena, dura e forte, retrata o day after de um adicto de cocaína. O drama, tragicamente rotineiro no frio anonimato da cidade sem alma, não é um recurso ficcional. É real. Tem nome e sobrenome, obviamente preservados por motivos éticos elementares. Recuperou-se na Comunidade Terapêutica Horto de Deus, em Taquaritinga, no interior de São Paulo (www.hortodedeus.org.br). Seus olhos recobraram a luz da esperança. Retomou os estudos, concluiu a faculdade de Publicidade e Propaganda e está batalhando. Com a cabeça erguida e a dignidade resgatada. Sua história, parecida com a de milhares de jovens, deve ser registrada. E a mão que o salvou, o Horto de Deus, merece uma matéria.
Com gravíssimas dificuldades financeiras e sem nenhum apoio dos governos, embora não faltem falsas promessas de ajuda de políticos oportunistas, a entidade tem sido responsável pela recuperação de inúmeros dependentes químicos. Os governos não se dão conta de que o trabalho dessas instituições repercute diretamente na qualidade da segurança pública e no custo da saúde. Elas rompem o círculo vicioso das drogas e criam o círculo virtuoso da recuperação e da ressocialização.
Conversei com internos do Horto de Deus. Ao contrário, por exemplo, dos que defendem a descriminalização das drogas e proclamam o caráter supostamente inofensivo da maconha, todos afirmaram que o primeiro baseado foi o passaporte para as drogas mais pesadas. T. K. M., de 22 anos, fumou seu primeiro cigarro de maconha com 12 anos. Com 16 anos já tinha mergulhado na cocaína. Chegou à comunidade terapêutica dominado pela dependência do crack. Recupera-se bem, resgatou valores e recuperou a esperança. "Agora eu sonho com o futuro. Antes vivia só para as drogas." Seus olhos têm brilho. Um belo exemplo do que pode fazer um bom trabalho de recuperação.
As comunidades terapêuticas, bem como as demais instituições idôneas que trabalham na recuperação de adictos, poderiam, por exemplo, receber recursos provenientes do Fundo Nacional Antidrogas e do Sistema Único de Saúde (SUS). Seria uma providência inteligente. É sempre melhor apoiar o que já funciona, e bem, do que cair na tentação de criar novas estruturas.
O governo da presidente Dilma Rousseff precisa olhar o trabalho das comunidades terapêuticas com seriedade. Elas são, de fato, as grandes parceiras no cerco ao submundo das drogas. Impõe-se um decidido apoio às entidades idôneas que batalham pela recuperação dos dependentes. Afinal, um adicto recuperado é o melhor aliado na luta contra as drogas.
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*DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA, É DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IICS) - E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR