Ainda não caiu a ficha 09/10/2012
- José Paulo Kupfer - O Estado de S.Paulo
Cresceram, às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que amanhã decide o novo nível da taxa básica nominal de juros, as apostas em uma última redução de 0,25 ponto, mesmo com os índices de inflação pressionados. Mas não há divergências de que, em 7,5% ao ano, como já está, ou em 7,25%, a que pode chegar amanhã, a trajetória da taxa Selic encerrará por aqui um longo movimento de baixa, que durou 14 meses.
Importa mais agora, portanto, avaliar se esse recuo a níveis nominais historicamente baixos é consistente e quais as possibilidades de que tenha vindo para ficar. O passo seguinte, caso essa avaliação se confirme, é apurar as eventuais mudanças na estrutura de funcionamento da economia que, fatalmente, viriam com a queda dos juros.
Para muita gente, a ficha ainda não caiu. Não é difícil entender que esteja demorando para que os impactos de juros reais entre 2% e 3%, em lugar das costumeiras taxas acima de 10%, sejam incorporados às análises sobre as perspectivas da economia brasileira. O hábito do uso de juros altos entortou nosso modo de pensar a economia. Mas é crescente o número dos que já conseguem pensar fora da velha caixa.
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"As pessoas não se dão conta da relevância dessa mudança estrutural do nível da taxa de juros", destacou José Olympio Pereira, presidente do banco de investimentos Credit Suisse, um dos mais ativos do mercado na intermediação de fusões, aquisições e lançamento de ações, em entrevista recente ao Estado. Segundo Pereira, experiente profissional do mercado financeiro, ainda que seja preciso elevar os juros, a taxa real não deve ultrapassar 4% e "isso faz muita diferença".
As hipóteses com as quais trabalham os principais analistas de conjuntura corroboram a expectativa de Pereira. Nos modelos de previsão desses analistas, os juros básicos nominais serão elevados, a partir de meados de 2013, porém de forma moderada. As apostas, no momento, nunca passam de 8,5% nominais - o que expressa uma taxa real, considerando as previsões para a inflação futura, no entorno de 3%.
Para muitos analistas, no entanto, ainda não parece claro que juros mais baixos são, eles mesmos, elementos que contribuem para uma evolução mais benigna do cenário macroeconômico. Um exemplo interessante é o da relação dívida pública/PIB e de seus efeitos sobre as contas públicas.
Nos próximos anos, em razão da queda dos juros, a relação continuará cadente, apontando para menos de 30%, em quatro anos. Isso apesar do não cumprimento da atual meta de superávit primário. As projeções para o resultado fiscal primário em 2012, de fato, subiram no telhado, reforçando a crença de que os 3,1% do PIB não serão alcançados - nem mesmo com o desconto dos gastos com o PAC. As estimativas atuais apontam para um superávit primário inferior a 2,5% do PIB, em 2012, e de menos ainda, nas vizinhanças de 2%, em 2013.
A "folga fiscal" com a queda dos juros, propiciada no resultado nominal, que inclui, além de receitas e despesas correntes, computadas na ótica primária, os gastos com juros da dívida pública, explica parte da mágica. É ela que permite reduzir a relação dívida/PIB, mesmo com menor "economia para pagar os juros da dívida", que é como se convencionou traduzir "superávit primário" para leigos.
Diante desse quadro, há quem considere que a nova realidade de juros básicos mais "normais" abre espaços para reduzir o esforço fiscal sem comprometer a solvência das contas públicas. Com base nessa nova realidade, um afrouxamento fiscal, mais do que isso, não necessariamente resultaria em pressões inflacionárias. O "x" da questão é o uso que venha a ser feito dessa folga fiscal.
Se, por exemplo, o governo ampliar e horizontalizar desonerações tributárias redutoras de custos, o efeito líquido da política fiscal pode até ser desinflacionário. Já hoje, na verdade, o afrouxamento fiscal, em parte por causa da redução da arrecadação com origem na desaceleração da economia, mostra mudanças na composição dos gastos, com foco agora mais em redução de custos na economia e aumento dos investimentos.
Isso pode significar que, em certas circunstâncias, não basta que a política fiscal seja expansionista para sobrecarregar a política monetária - e exigir mais doses de seu principal componente, a taxa de juros. Como sempre em economia, tudo depende da natureza das coisas e das circunstâncias que as cercam.