Isso não se faz, Arnesto 31/10/2012
- Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Em vez de forçar os números para mostrar o cumprimento das metas das contas públicas, o governo Dilma podia ter atendido à sugestão do Samba do Arnesto e "ter ponhado um recado na porta" para dar alguma satisfação à sociedade. "Ansim: sinto muito, não deu pra esperá..." etc., e tal.
Ao longo de todo o ano, prometeu que a meta cheia do superávit primário de 3,1% do PIB seria religiosamente observada e, a cada Ata do Copom, o Banco Central assinou em cruz.
O superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) é um dos pilares da política econômica e um dos principais fatores cuja observância (relativa) permitiu a queda dos juros básicos (Selic).
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Qualquer um compreenderia que, em plena crise global - a mais séria desde os anos 30 -, num ano eleitoral e de baixa atividade econômica (crescimento do PIB de 1,5%) e, portanto, de arrecadação mais baixa, certas metas não tinham mesmo como ser cumpridas à risca. Além disso, para estimular o consumo, o governo elevou as renúncias tributárias, o que também derrubou a arrecadação. Afinal, contados acertos e erros, o governo não está conseguindo entregar o prometido.
No entanto, em vez de assumir, em caráter excepcional, essa quebra de compromisso, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, prefere manter as aparências. Opta insistir em que tudo será como combinado, mesmo que tenha de sujeitar as estatísticas a contorcionismos de certa atrocidade.
O governo tem forçado estatais, especialmente o BNDES e a Caixa Econômica Federal, a adiantar a distribuição de dividendos para o Tesouro, compensada, em boa parte, com transferências de títulos públicos. E, como já aconteceu, empenhos de verbas normalmente entendidos como despesa passaram a ser considerados "investimento público".
Outras metas da política econômica do governo Dilma foram várias vezes revistas neste ano. Entre elas, a dos juros básicos, que começou sendo de um dígito (abaixo de 10% ao ano) e acabou aprofundada para 7,25%. O crescimento econômico (avanço do PIB) principiou o ano em 4,5%, mas, depois, foi sucessivamente ajustado para baixo. Deve terminar à altura do minguado 1,5%. Também a convergência da inflação para o centro da meta de 4,5% no ano-calendário foi deixada para trás. O Banco Central passou a ser bem mais tolerante com ela e deixou-a para mais adiante, "de forma não linear". Não dá para entender por que as autoridades da área fiscal continuam teimando com o superávit primário de 3,1% do PIB quando ficaram, digamos, incapacitadas de perfazê-lo.
O resultado é o que foi divulgado ontem pelo Banco Central: até setembro, o governo realizou menos de 60% da meta já revisada, de R$ 97 bilhões.
O maior prejuízo desse comportamento é a perda da capacidade do governo de mobilizar os agentes econômicos nos planos de crescimento. Quando, por exemplo, a presidente Dilma voltar a reunir a nata do empresariado e lhes pedir a liberação do espírito animal e a puxar pelos investimentos, eles vão argumentar que não dá para acentuar a dedicação quando o governo não só deixa de entregar o que promete, como também não reconhece que as coisas não estão saindo como o planejado. Ou seja, "na outra vez nóis num vai mais".