Déficit carcerário será usado por defesa para abrandar penas 21/11/2012
- Laryssa Borges e Marcela Mattos - Veja Online
A rigor, não existem desmentidos de que o sistema carcerário brasileiro é caótico. Tampouco há ressalvas à assertiva de que presídios são ambientes com superlotação histórica. São, por fim, poucos os que ousam discordar da máxima do ex-ministro Nelson Hungria de que “a pena retributiva jamais corrigiu alguém”. O problema, verificado no julgamento do mensalão, é que essas três premissas devem integrar recursos dos réus condenados como argumento para que políticos, empresários e banqueiros não precisem necessariamente cumprir as penalidades nos regimes de detenção mais rígidos impostos a eles pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Após uma semana de intervalo, a corte retoma nesta quarta-feira o julgamento. Será a primeira sessão presidida pelo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, que se tornou presidente do Supremo após a aposentadoria compulsória de Carlos Ayres Britto. Os ministros devem seguir com a definição das penas dos parlamentares que receberam dinheiro do mensalão para votar a favor do governo no Congresso. Ainda faltam estipular as penas de 14 dos 25 réus condenados.
Vagas
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A esperança dos mensaleiros de usar a falta de vagas no sistema penitenciário para ter penas mais brandas foi insuflada pelo próprio ministro revisor do mensalão, Ricardo Lewandowski. “A coisa mais difícil é vaga no semiaberto. Quando não tem vaga, a jurisprudência é para que mande para o aberto”, disse ele, na última semana, ao recordar sua atuação como juiz do extinto Tribunal de Alçada Criminal, em São Paulo. “Atualmente, mesmo sem lei, essa progressão de regime por falta de vagas é comum”, completa o senador Pedro Taques, relator da comissão especial de reforma do Código Penal.
Se prevalecer o entendimento de Lewandowski, um dos beneficiários do mensalão pode ser o ex-presidente do PT José Genoino, condenado, inicialmente em regime semiaberto, a seis anos e 11 meses de detenção pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa. Mas parlamentares condenados por vender apoio político no Congresso – ao todo sete deputados e ex-deputados foram apenados, mas ainda não tiveram suas penas definidas – também podem utilizar o argumento da superlotação para conseguirem cumprir pena de forma mais branda. A legislação prevê que, em penas até quatro anos, o regime inicial seja o aberto. Para sanções de até oito anos, regime semiaberto, e acima de oito anos que o cumprimento da pena seja em regime fechado.
Sistema carcerário
Os debates sobre a precariedade das penitenciárias ganharam força após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter amplificado as declarações do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de que era melhor morrer a enfrentar longos anos em presídios brasileiros. Ex-advogado do PT, o ministro José Antonio Dias Toffoli foi o primeiro a levantar, no plenário do STF, a tese de que multas rigorosas a mensaleiros teriam maior eficácia do que enviar os condenados ao sistema carcerário. A argumentação do magistrado acendeu o alerta de advogados, que pretendem convencer o Supremo de que a superlotação nos presídios (para regime fechado), em colônias penais (para regime semiaberto) e em casas de albergado (para regime aberto) impede que os condenados cumpram a sentença exatamente como foi prevista inicialmente pela corte.
A proposta de beneficiar um réu por não haver vagas no sistema carcerário não é pacífica entre os ministros do STF e deve ser resolvida com a possível edição de uma súmula vinculante sobre o tema. Se aprovado, o enunciado obrigaria todas as instâncias do Judiciário a seguir automaticamente a determinação da corte. A Defensoria Pública da União, por exemplo, encaminhou ao STF o que considera ser a súmula adequada: “o princípio constitucional da individualização da pena impõe que seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento adequado, no local da execução.”
De acordo com o advogado Marcelo Leal, responsável pela defesa do ex-deputado José Borba no julgamento do mensalão, existem propostas para formalizar em lei a tese de, na falta de vagas, poder haver a progressão de regime. “Nas discussões sobre o novo Código Penal pode-se formalizar que, na ausência de vaga no sistema em que o réu foi condenado, ele deve cumprir a pena no regime menos gravoso”, diz.
Embora considere que hoje os juízes podem simplesmente mandar cumprir a sentença original, não aceitando o argumento de superlotação, Leal pondera: “Assim como nossa Lei de Execuções Penais fala que o preso tem direito à cela individual, assim como a Constituição fala que o salário mínimo deve prover a família com condições, tem normas que acabam virando normas programáticas porque o estado não dá condições de cumprimento”.
O deputado Hugo Leal (PSC-RJ), autor de um projeto de lei que extingue o regime aberto e estabelece prisão domiciliar para condenados até quatro anos, fez os cálculos: mais de 90% dos condenados em regime aberto acabam por cumprir a sentença em prisão domiciliar. Dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), atualizados até dezembro de 2011, contabilizam o déficit carcerário: faltam 22.902 vagas no regime semiaberto e outras 13.764 no aberto.
Resta saber se, assim como defendeu Dias Toffoli em plenário, o STF vai se curvar ao argumento da precariedade e superlotação dos presídios, colônias agrícolas e casas de albergado e beneficiar os mensaleiros condenados.