Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter concluído que houve desvio de dinheiro público no caso do mensalão, em pelo menos duas oportunidades a Advocacia-Geral da União (AGU) deixou de pedir, durante a tramitação das ações civis e penais impetradas contra os mensaleiros, que eles fossem obrigados a ressarcir integralmente ao Tesouro Nacional todos os prejuízos que causaram.
Nos dois casos, o órgão era chefiado por Luís Inácio Lucena Adams - advogado gaúcho que, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, em 2003, foi secretário executivo adjunto do Ministério do Planejamento e chefiou a Procuradoria da Fazenda Nacional.
A denúncia foi feita pelo jornal O Globo. O primeiro caso envolve o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha (PT-SP), que foi acusado pela Procuradoria-Geral da República - e condenado pelo Supremo - de assinar um contrato de serviços com a empresa SMP&B, do empresário Marcos Valério, para "maquiar" o desvio de verbas do Legislativo.
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O segundo caso envolve o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o empresário Marcos Valério e diretores do Banco Rural. Todos foram acusados - e também condenados - pelos crimes de improbidade administrativa, enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro. Os valores por eles desviados - mencionados nas ações cíveis e penais do mensalão - totalizam R$ 41 milhões.
Assim que concluiu a etapa das condenações dos mensaleiros, há duas semanas, o Supremo - como era esperado - iniciou a discussão sobre a recuperação dos recursos por eles desviados dos cofres públicos. Até o momento, a mais alta Corte do País já decidiu pela perda de bens do empresário Marcos Valério, para ressarcir o Tesouro pelo crime de lavagem de dinheiro. A proposta do decano da Corte, ministro Celso de Mello, é estabelecer um valor mínimo a ser ressarcido pelos demais réus - inclusive Dirceu, Genoino e Delúbio Soares.
Ex-promotor de Justiça, Mello afirmou, em plenário, que a AGU - o órgão encarregado de prestar assessoria jurídica à União e de defendê-la nos tribunais - não podia ter deixado de ingressar com medidas judiciais, durante o julgamento das ações do mensalão, para recuperar o dinheiro público desviado pelos mensaleiros. A mesma observação já foi feita pelo Ministério Público Federal.
A ação por improbidade administrativa, com pedido de ressarcimento dos prejuízos causados pelos réus do mensalão, foi impetrada em 2007. Quatro anos depois, a Procuradoria-Geral da República defendeu o ingresso da União no processo como polo ativo. Contudo, a AGU não tomou essa iniciativa. "Não se mostra pertinente o ingresso da União, seja pela ausência de elementos próprios a reforçar o quadro probatório, seja porque o interesse público já se encontra devidamente resguardado pela atuação do Ministério Público", justificou o órgão, em setembro de 2011.
Além disso, a Advocacia-Geral da União omitiu-se quando, na ação de improbidade administrativa aberta contra João Paulo Cunha, a Justiça exigiu que a União se posicionasse sobre seu interesse em atuar ao lado do Ministério Público. O órgão simplesmente não respondeu à intimação judicial. Em reportagem publicada pelo Globo, em novembro de 2011, sobre as dificuldades enfrentadas pela União para reaver o dinheiro público desviado pelos mensaleiros, a Advocacia-Geral da União afirmou que a reparação pecuniária já era objeto de ações propostas por procuradores federais. O órgão também alegou que "o ingresso da União (nas ações do mensalão ) poderia atrasar a tramitação do processo, impondo a necessidade de sua intimação em todos os atos processuais". E ainda disse que, por não ter havido "investigação por parte de outros órgãos de controle (como a Corregedoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União)", a União não teria "legitimidade" para atuar no caso.
A flagrante omissão da Advocacia-Geral da União mostra o risco que o País corre quando órgãos de Estado são aparelhados politicamente e deixam de zelar pelos interesses maiores da Nação.