Posse de Genoíno sinaliza: PT vai para o confronto 07/01/2013
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja Online
As cavernas da Capadócia, a posse de Genoino, a I Epístola aos Coríntios e as oposições. Voltei!
Num longo texto, este escriba lamenta não ter passado alguns dias de descanso num buraco da Capadócia, fala sobre a posse do deputado condenado José Genoino, demonstra por que a questão legal, nesse caso, tem menos importância do que a questão política, lembra a Primeira Epístola aos Coríntios e dirige algumas questões às oposições
Vamos lá. Consta que, na novela “Salve, Jorge”, de Glória Perez, há Internet com conexão sem fio nas cavernas do interior da Turquia. Que bom! Vai ver a Anatel deles funciona. As nossas agências reguladores viraram cabides de emprego do PT e da base aliada. Se você quer conexão rápida e móvel, amigo, vá para os buracos nas rochas da Capadócia que o pariu. No litoral de São Paulo, nada de conexão 3G! “De qual operadora, Reinaldo?” De qualquer uma. Empresas e Anatel parecem estar pouco se lixando com os usuários de um serviço que é concessão pública. Agora que boa parte da massa já subiu a serra, tudo volta ao “normal”. Temos um serviço 3G que funciona desde que não haja muita gente querendo a mesma coisa ao mesmo tempo, entenderam? É o caso dos aeroportos. Resta-me concluir que o 4G, em breve, estará “não funcionando” também.
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Alguns tontos dirão: “Taí… Não é você que gosta de privatizações e de estado enxuto?” Sou eu mesmo! Tivéssemos um eficiente estado regulador, em vez de um ineficiente estado interventor, lotado de larápios que usam seu poder para fazer “negócios” com o setor privado, os cidadãos, os consumidores e usuários de serviços públicos seriam respeitados. Ocorre que o vagabundismo tomou conta do debate — e não há força política que contra ele se alevante, para usar um verbo do tempo de Camões. Reclame da bagunça nos aeroportos brasileiros em períodos de férias, e sempre aparecerá um desses escroques do regime, financiado por alguma estatal, a acusá-lo de estar infeliz porque, agora, o povo anda de avião… O corolário do subdesenvolvimento intelectual e político é o subdesenvolvimento ele-mesmo: só daremos telefone a todos se o serviço for uma porcaria; só daremos aviões a todos se o serviço for uma porcaria; só daremos educação a todos se o serviço for uma porcaria; só daremos saúde a todos se o serviço for uma porcaria. A qualidade vem depois… Só isso me impediu de comentar antes a posse de José Genoino (PT-SP) como deputado federal. Não me faltavam disposição e dedos — até tempo eu tinha. Faltava uma conexão.
Adiante. Voltemos ao princípio. Antes de a sentença ter transitado em julgado, há algo que impeça Genoino, condenado a 6 anos e 11 meses de cadeia por corrupção ativa e formação de quadrilha, de assumir a vaga aberta com a renúncia de Carlinhos Almeida (PT), que assumiu a Prefeitura de São José dos Campos? A resposta é “não”. Por esse caminho, o debate cai no vazio. O que mais me interessa nesse caso é a questão política — que vai bater, meus caros, lá na sucessão de 2014 —, não a jurídica, embora eu não me furte a fazer, antes de voltar ao principal, algumas considerações a respeito, apontando o grotesco espetáculo da hipocrisia petista, muito especialmente a de Genoino. Mais uma vez, os petistas demonstram que seguem firme um lema: “Aos amigos, tudo, menos a lei; aos inimigos, nada; nem a lei”. Explico-me.
A questão legal
Li as declarações de Genoino e de alguns petistas graúdos e me inteirei do que os petralhas, especialmente os financiados por estatais, andaram espalhando no ventilador das redes sociais. A argumentação, ora vejam!, é legalista! Quem diria?! De súbito, os valentes passaram a falar como porta-vozes do estado de direito. E propuseram a questão que eu mesmo propus no parágrafo anterior: “Há empecilho legal à posse de Genoino?” Como não há, estampam, então, o sorriso de vitória. Muito bem! Atenção para isto: o mesmo arcabouço legal — erigido sobre o mesmo alicerce e valores e que estrutura as mesmas garantias — que julgou e condenou o ex-presidente do PT assegura agora o seu mandato de deputado federal. Podemos e até devemos debater se há, no Brasil, recursos em excesso; podemos e até devemos debater se a aplicação da pena deveria ou não ser imediata etc… Uma coisa, no entanto, não se pode nem se deve debater: se a lei tem ou não de ser cumprida.
A última edição de VEJA do ano passado traz um artigo deste escriba intitulado “Ladrões de cofres e de instituições” (ver na home). Demonstro, no texto, que a condenação dos mensaleiros obedeceu a todos os rigores do estado de direito. Não houve nem mesmo a tão propalada “nova jurisprudência”. Todo o chororô, encabeçado por Márcio Thomaz Bastos, não passou de um esforço canhestro para carimbar no processo a pecha de “julgamento de exceção”, num esforço deliberado de transformar corruptos, corruptores, peculadores e quadrilheiros em condenados por crimes de consciência e em futuros presos políticos. O mensalão foi, sim, uma tentativa de golpear as instituições democráticas e tomar o estado. Apesar do alcance político da ação, seus protagonistas são bandidos comuns, embora reivindiquem o berço dos heróis.
Ora, eu estou entre aqueles que cobram, então, respeito à lei nas duas circunstâncias: quando os mensaleiros são condenados e quando um deles, em virtude das leis que temos, assume uma vaga na Câmara — embora eu possa achar, como acho, que o fato escarnece do bom senso, do decoro, da vergonha na cara. Os petistas e petralhas, como vocês têm visto, pensam de modo bem diferente: mandam às favas a legalidade no caso da condenação, promovendo “plenárias” para demonizar o Supremo e prometendo até uma espécie de vingança contra o tribunal, mas viram defensores de primeira hora da ordem quando Genoino assume o mandato. Estes são eles: para si e para seus amigos, querem tudo, menos a lei; para os inimigos, nada — nem a lei. Por que teriam algum compromisso com a coerência?
A questão ética
Genoino podia tomar posse? Podia, sim. Fosse outro o seu partido e não fosse ele próprio quem é, então nos arriscaríamos a afirmar: “Podia, mas não deveria”. Ocorre que o Genoino que, por prurido, deferisse agora da posse desse bem não teria cometido antes os crimes pelos quais foi condenado, certo? Isso nos leva a concluir, logicamente, que, à diferença do que andam dizendo alguns equivocados, muito especialmente da oposição, o Genoino de agora não mancha o de antes: apenas torna mais nítido o seu perfil.
Por mais que nos dediquemos ao estudo da moral e da ética, duvido que possamos chegar a uma formulação mais precisa e enxuta do que a de São Paulo na I Epístola aos Coríntios: “Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém” (ICor 6,12). É dessas frases-emblema cuja compreensão distingue a civilização da barbárie. A essência da formulação kantiana está aí embutida: só posso praticar atos que, se generalizados, concorreriam para o bem. Adiante.
Há uma diferença de qualidade entre o homem que não mata porque acha que isso é essencialmente errado e o que não mata por medo de ser preso. O primeiro domínio é o da moral e da ética; o segundo é o da lei e da ordem. Ainda que ambos estejam imbricados na vida em sociedade, trata-se de esferas distintas da experiência. Ora, com a certeza da impunidade, o primeiro homem vai delinquir… Voltem a São Paulo. Imunes ao estado repressor — e ele não pode e nem deve vigiar todos os nossos passos —, tudo nos “é permitido”. É a convicção de que “nem tudo nos convém” que torna possível a vida em sociedade. Educar uma criança é prepara-la para viver sem vigilância, não para obedecer às ordens de um bedel. NOTA À MARGEM: há também uma grande diferença entre aquele que diz “sou inocente” (especialmente quando o é…) e aquele que sustenta: “Não há provas contra mim”…
O PT, é evidente, não inventou os desmandos. Nunca ninguém fez tal acusação ao partido. Ao contrário! Com o apoio entusiasmado do jornalismo, a legenda cresceu fortemente ancorada no discurso que agora chama de “udenista”: o combate a corrupção! Ainda me lembro de uma entrevista concedida ao Globo, em 2006, por Marco Aurélio Garcia, durante a campanha de Lula à reeleição. Perguntaram a ele se o então presidente não se sentia constrangido de fazer campanha ao lado dos mensaleiros. A resposta foi esta: “Constrangimento nenhum! Constrangimento seria não ter voto.” O PT não inventou a corrupção. Ele a transformou, a depender da necessidade, numa categoria política, numa categoria de pensamento. O partido mandou Paulo plantar batatas: tudo lhe convém porque tudo lhe é permitido.
O ódio que o PT e seus acólitos passaram a devotar ao Supremo decorre do fato de que eles não aceitam leis — e instâncias do estado que as apliquem — contra o que consideram os “interesses do partido”, que se vê no papel de condutor da sociedade. Quando surgiu a possibilidade de Genoino tomar posse, cheguei a ouvir alguns comentários incrédulos aqui e ali: “Eles não vão ter topete de fazer isso…” Objetei: “Vão, sim!” Um dos segredos do partido sempre foi defender, em nome da legalidade, as leis que lhe são úteis e transgredir, em nome da legitimidade, as que não são — para o trabalho de confronto, recorrem a seus esbirros em movimentos sociais e ONGs.
A questão política
Chego, finalmente, à questão política. Haverá uma oposição — e oposicionistas — para fazer, no plenário da Câmara, o debate? Haverá vozes capazes de transformar em notícia a posse legal e indecorosa? Já li uma coisinha ou outra, sempre com os joelhos no milho. Há até quem veja, para escândalo da lógica e do bom senso, uma contradição entre o Genoino “guerrilheiro” e este que assume agora um mandato na Câmara com uma condenação nas costas, como se a vilania de agora contrastasse com a nobreza de antes; como se o escárnio que ora se vê manchasse os nobres propósitos daquele que queria instituir no país uma ditadura à moda cubana.
Ao longo do segundo semestre do ano passado, o Supremo ficou sob o chicote petista. Foi satanizado pelo partido de maneira implacável. As principais lideranças de oposição, com uma exceção ou outra, se comportaram como se o julgamento não existisse. Convenham: aquela penca de crimes foi cometida para consumar um projeto de poder que tinha, no ponto de chegada, o aniquilamento das forças adversárias. Oposicionistas deveriam ter se revezado na galeria do Supremo para demonstrar seu apreço ao estado de direito e seu repúdio ao que foi, restou evidente, uma tentativa de golpe nas instituições. Mas quê…
Não existe uma política que seja a negação da… política! É tautológico? Eu sei. Mas precisa ser dito e repetido mesmo assim. Não estou aqui a sugerir que as oposições façam da posse de Genoino um cavalo de batalha. Estou afirmando, isto sim, que elas não podem deixar de chamar as coisas pelo nome que têm — essa e outras tantas. Porque, numa democracia, são muitos os cavalos. Já escrevi a respeito das muitas omissões das forças que se opõem, ao menos nominalmente, ao petismo. Parecem estar sempre à espera da hora certa…
Não! Aquela história do “quem sabe faz a hora” é só bobagem do voluntarismo e do leninismo de marchinha da MPB. Em política, não existe “a” hora. Existe um conjunto de valores, defendido por partidos e por forças organizadas da sociedade. Quem se opõe ao governo do PT e ao petismo se apresenta com que discurso? Fala em nome de quê? Fala para quem?
“Ah, o governo é tão bom, e o Brasil vai tão bem que as oposições nem conseguem se estruturar…” Pois é… Não vai, não! Ainda que a popularidade de Dilma atinja a marca dos 100% (no Iraque, Saddam Hussein tinha apenas 98% de aceitação…), a afirmação continuará a ser falsa. Ocorre que os dados que estão na ordem dos fatos ainda não se converteram num discurso político. O ano de 2014, com suas vistosas inaugurações, não parece especialmente hospitaleiro a um súbito discurso de oposição.
Toda hora é hora da política, em cada tema e em cada coisa. Até agora, não fosse a base aliada criar algumas dificuldades para Dilma — e não fosse a grande imprensa colaborar ativamente com ela, apontando o dedo para alguns larápios incrustados na máquina do governo —, a governanta morreria de tédio. Às vezes, tenho a impressão de que já há, nas oposições, quem dê a reeleição de Dilma de barato, adiando o jogo para 2018, quando, então, aí, sim… “Aí, sim, o quê?” Essa hipótese me parece parente bem próxima daquela que via um Lula sangrando no poder em 2006… Deu no que deu.
Concluindo
A posse de Genoino é politicamente acintosa, ainda que legal? Sim! E é também a evidência de que o PT, por maior que seja a dificuldade, vai para o confronto. Se alguém notou aqui alguma sombra de admiração, é impressão falsa. Ao contrário! Esse relativismo, essa visão de mundo que transforma crimes em virtudes, é o que mais repudio nas esquerdas — e jamais sugeriria a seus adversários que adotassem prática semelhante, adulando seus próprios malfeitores e criminosos.
O ponto é outro. Eu e milhões de eleitores — e de leitores — queremos saber o que pensam as oposições. E nem se trata aqui de cobrar utopias e prefigurações. Basta que se enfrente um governo atolado em irresoluções e um partido que terá alguns de seus protagonistas na cadeia. E que se note: se o petismo reunisse apenas anjos tocando harpa, ainda assim, numa democracia (e não no céu), teria de ser contraditado.
E não! Eu não vou me enfiar num buraco na Capadócia, onde há Internet sem fio — segundo a Glória Perez ao menos. Vou ficar por aqui mesmo, reclamando e exigindo que os contratos feitos com os consumidores sejam cumpridos.