A pulseira 10/01/2013
- Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo
Acho que já contei o meu único crime. Na verdade, descontando-se alguns sinais amarelos em que não dava mesmo para parar, não há contravenções ou pecados maiores na minha vida. Ficha limpa. Claro que muito pequei em pensamento, mas a imaginação é uma área neutra em que tudo é permitido e nada é punido. Crime, crime mesmo só tenho um. Roubei uma pulseira. Atenuante: foi por amor.
Eu tinha uns 7 anos e nós tínhamos acabado de alugar uma casa em Los Angeles. Meu pai lecionaria durante um ano na Universidade da Califórnia. Nos botaram, eu e minha irmã, numa escola próxima da casa. E foi lá que eu a conheci. Morena, cabelos longos. Não vou nem tentar me lembrar do nome. Digamos que fosse Sandra. E me apaixonei pela Sandra.
Ninguém se apaixona aos 7 anos, dirá você. Engano seu. As grandes paixões são aos 7 anos. Todas as outras, pelo resto da vida, serão simulacros, pois nenhuma será tão intensa e desesperada. Eu amava Sandra e, na minha imaginação, era correspondido. Nos meu sonhos ela me olhava, e trocávamos sorrisos, e eu até beijava seus cabelos na fila. Foi a sua total indiferença aos meus olhares e suspiros que me levou ao crime.
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Descobri, na casa em que morávamos, mal escondida numa prateleira, uma caixa contendo uma pulseira dourada. A pulseira não devia ter qualquer valor para estar assim tão à mão de um neocriminoso, mas era linda. Peguei a pulseira e, naquela noite ensaiei o que diria a Sandra, quando lhe entregasse o presente no dia seguinte. "My name is Luis and I love you". Ou talvez algo mais, mais cativante "Tome esta pulseira, que é bela como você" ou "Lembre-se de mim, Sandra!".
Eu sabia exatamente onde cruzaria com Sandra no caminho da escola. E lá estava ela caminhando na minha frente, com os cabelos longos soltos e balançando. Aproximei-me, tremendo. Não podia errar a minha fala. Dizer "My love is name and I Luis you" ou coisa parecida. Emparelhei com ela, entreguei a pulseira - e saí correndo! Sem dizer nada e sem olhar para trás.
O incrível é que a pulseira que significara tanto para mim - meu primeiro amor, meu primeiro roubo - não significou nada para ela. Sandra continuou me ignorando, nunca nos falamos, ninguém deu falta da pulseira, e eu de vez em quando a imagino hoje - meu Deus, com a minha idade! - contando para um bisneto a história do presente do garoto estranho. Mas ela não deve se lembrar de nada. Aposto que votou no Romney.