Trapalhões e milongueiros 19/01/2013
- Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo
Não há profissionais do jeitinho no governo brasileiro. São todos amadores. A turma do Financial Times foi muito generosa na avaliação publicada no blog Beyondbrics.
Se os ministros e altos funcionários fossem profissionais, ninguém seria flagrado tão facilmente, e de forma tão grotesca, nas tentativas de maquiar as contas públicas ou a inflação.
A promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais seria menos escandalosa e menos assustadora. Os analistas levariam mais tempo para identificar a cópia da velha conta movimento, de muito má memória.
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Os condutores da política externa, a começar pelos estrategistas do Palácio do Planalto, pensariam duas vezes, pelo menos, antes de entrar na manobra, liderada pela senhora Cristina Kirchner, para incluir no Mercosul a Venezuela bolivariana.
Mas esse foi apenas mais um lance desmoralizante para a diplomacia brasileira. Restabelecer a velha e respeitada imagem de competência e profissionalismo do Itamaraty vai dar trabalho e tomar muito tempo.
Além de amadores, trapalhões. Conseguiram elevar a um nível surpreendente o grau de bagunça do setor público brasileiro. O Tesouro converteu-se em fonte permanente de fundos bancários.
A responsabilidade pelo controle da inflação passou do Banco Central (BC) para a Petrobrás, o Ministério da Fazenda, as Prefeituras de São Paulo e do Rio de Janeiro e o governo paulista, para citar só alguns dos novos encarregados da função.
Para atender ao companheiro Guido Mantega, ministro da Fazenda, o prefeito Fernando Haddad concordou em atrasar o aumento das tarifas de ônibus.
O governador poderá contribuir adiando para depois de março o reajuste das passagens de metrô. Essas decisões apenas servirão, naturalmente, para aliviar os índices no primeiro trimestre.
A participação da Petrobrás deve incluir operações técnicas mais complicadas. A diretoria da empresa continua defendendo a elevação dos preços da gasolina e do diesel, contida nos últimos anos por decisão do Palácio do Planalto.
Uma parcela maior de etanol na mistura da gasolina poderá limitar o impacto para o consumidor. Mas isso dependerá da nova safra de álcool, isto é, de um setor seriamente prejudicado, nos últimos anos, pela contenção política dos preços de combustíveis,
Ao mesmo tempo, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), aparentemente desperta depois de um longo torpor, cobra da Petrobrás mais investimentos em produção.
A cobrança parece redundante. A atual diretoria da estatal tem-se mostrado consciente dos problemas da empresa, das dificuldades para cumprir metas ambiciosas e, é claro, dos estragos causados por anos de comando centralizado no Palácio do Planalto e orientado por interesses políticos.
A presidente da Petrobrás, Graça Foster, tem hoje uma fala mais diplomática, mas disse o suficiente, em seus primeiros tempos, para mostrar os custos de uma gestão politizada.
Enquanto o Ministério da Fazenda comanda a administração dos índices de preços, o BC executa com muita disciplina a política palaciana de redução e contenção dos juros.
O comunicado emitido logo depois da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) pode causar perplexidade a um estrangeiro.
"Considerando o balanço de riscos para a inflação, que apresentou piora no curto prazo, a recuperação da atividade doméstica, menos intensa do que o esperado, e a complexidade que ainda envolve o ambiente internacional, o Comitê entende que a estabilidade das condições monetárias por um período de tempo suficientemente prolongado é a estratégia mais adequada para garantir a convergência da inflação para a meta", informou o BC.
Se houve piora no cenário dos preços, por que manter os juros em 7,25%?
Se o Copom tivesse aumentado a taxa, teria sentido mencionar a manutenção das condições por um período mais ou menos longo.
É preciso levar em conta a defasagem entre a decisão de política monetária e seus efeitos. Mas a história é outra: a taxa de 7,25% ao ano resultou de uma prolongada redução dos juros básicos, iniciada no fim de agosto de 2011.
Ao conhecer esse fato, o estrangeiro começaria a entender. A inflação está longe de ser uma preocupação para o dirigentes do BC. O objetivo da política monetária tem sido o crescimento do produto interno bruto (PIB) - com resultados abaixo de pífios, até agora.
Além disso - e de fato antes de tudo -, o corte de juros é um item muito importante da retórica presidencial.
De acordo com essa perspectiva, é inconveniente conter a alta de preços por meio dos instrumentos típicos da política monetária. A meta de 4,5%, em vigor a partir de 2005, é mais alta que a de outras economias em desenvolvimento e foi amplamente superada entre 2010 e 2012.
Há quem mencione a vigência informal de outra meta, na altura de 5,5%. A hipótese é plausível.
De toda forma, justifica-se a pergunta: qual a inflação necessária para desemperrar a economia brasileira?
No Japão, o primeiro-ministro, Shinzo Abe, pediu ao BC a fixação da meta em 2%, para encerrar a deflação e estimular a economia. Em países sul-americanos, a tendência, hoje, é a redução das metas.
No Brasil, a produção continua emperrada mesmo com inflação próxima de 6%. Os obstáculos ao crescimento - e ao investimento, para começar - devem ser de outra ordem.
Em vez de identificá-los e enfrentá-los com decisão, os condutores da política econômica, trapalhões e cada vez mais milongueiros, tomam outro caminho.
Embora com algum pudor, seguem o exemplo kirchnerista, multiplicando as intervenções desastradas em todos os setores e dando prioridade à administração dos índices.
Não tentam combater de fato a inflação, até porque a toleram. Em outros tempos, quando a inflação oficial era medida no Rio de Janeiro, a prioridade era garantir o abastecimento de feijão do mercado carioca.
Vem de longe a tentação de embelezar os índices. A mudança mais notável é o fundo musical. O ritmo inspirador do governo brasileiro, hoje, é o tango.