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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Sem poder e sem pudor
26/01/2013 - O Estado de S.Paulo

A candidatura, que senadores descontentes chamam de "clandestina", mas na prática imbatível, do alagoano Renan Calheiros (PMDB) à sucessão de José Sarney na presidência do Senado põe em xeque o prestígio do Legislativo.

O desejo do senador de voltar ao lugar do qual saiu para não ser cassado está prestes a se realizar sem que sequer ele precise confessá-lo publicamente. Isso poderá ocorrer, apesar dos fatos relevantes que não o recomendam para o posto, cujo ocupante também preside o Congresso e entra em terceiro lugar na linha sucessória da Presidência da República. Os óbices contra sua pretensão são óbvios, mas nenhum é suficiente para impedi-lo de alcançar o objetivo.

O primeiro deles é que na vez anterior em que lá esteve teve de renunciar ao posto depois de ter sido alvo de seis meses de denúncias.


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Acusado de receber ajuda financeira de lobistas ligados à construtora Gautama para pagar o aluguel de um apartamento e pensão alimentícia para uma filha que teve fora do casamento com a jornalista Mônica Veloso, ele protagonizou um escândalo apelidado de Renangate, junção de seu sobrenome com a segunda metade da palavra inglesa Watergate, que batizou o caso que terminou com a renúncia do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon. Substituído na presidência pelo petista Tião Viana (AC), o alagoano foi absolvido a portas fechadas pelo voto secreto de 40 colegas a favor, 35 contra e 6 abstenções.

Cinco anos depois, na escolha para a presidência para a próxima legislatura, a ser iniciada em 1.º de fevereiro, a volta tida como certa, embora ainda não anunciada oficialmente, do presidente que renunciou para não ter cassado o mandato de senador repete interesses e personagens do episódio que o afastou.

A presidente Dilma Rousseff chegou a soltar balões de ensaio dando a entender que a solução não a agradava e que preferia alguém com um prontuário menos tisnado.

Soluções alternativas com as quais ela simpatizava, casos do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e do ex-governador de Santa Catarina Luiz Henrique, contudo, naufragaram.

O Palácio do Planalto, o governo federal e o PT não resistiram ao assédio do presidente da Casa, José Sarney, e do vice-presidente da República, Michel Temer, em favor do candidato que parece inevitável: a poucos dias da eleição, sem ter pedido um voto nem sequer reconhecido interesse no pleito, Renan não tem opositores.

A não ser Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que dificilmente deixará de beneficiar o favorito com o argumento de que terá vencido uma disputa para valer.

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) encaminhou uma carta a 43 colegas, expondo ideias do grupo que não se conforma com essa situação, convocando-os para debater ideias capazes de livrar a Casa do opróbrio total.

Nenhum senador petista aceitou participar do debate, nem aqueles que mais fazem questão de exibir independência e correção.

Isso parece dar razão a críticos da vitória do candidato "que foi sem nunca ter sido", como a viúva Porcina da telenovela Roque Santeiro, de Dias Gomes, na Globo.

Pois tudo indica que a escolha do mesmo Tião Vianna, que substituiu Renan na crise do Renangate e presidiu a sessão que lhe manteve o mandato, para vice na chapa secreta de agora denota a esperança do partido governista de ascender à presidência na eventual repetição de algum descalabro similar ao de 2007.

A hipótese não é implausível: o outro óbice óbvio se configura nos escândalos protagonizados pelo pretendente.

Este jornal acaba de publicar em primeira página a notícia de que a construtora Uchôa, de propriedade de um irmão de Tito Uchôa, apontado como "laranja" de Renan, faturou mais de R$ 70 milhões no programa Minha Casa, Minha Vida, da Caixa, área de influência do senador e de seu partido em Alagoas.

Na sua coluna no jornal Valor, Rosângela Bittar resumiu a adesão muda da maioria dos senadores e a omissão do governo e seu partido diante do fato consumado num trocadilho cruel e amargo feito por Cristovam Buarque:

"Primeiro, nós fomos perdendo o poder e depois fomos perdendo o pudor".

E a colunista comentou sem dó: "Um escárnio".

Mais precisava ser dito?


  

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