Pobreza de ideias 30/01/2013
- O Estado de S.Paulo
Galináceos, bovinos e suínos são por enquanto os beneficiários mais prováveis dos planos e roteiros de cooperação acertados na semana passada com representantes da União Europeia (UE), em reuniões em Brasília e Santiago.
Os bichos continuarão sendo sacrificados, porque o transporte de animais vivos em longas viagens perdeu muito de seu encanto depois da aventura na Arca de Noé.
Mas serão mortos com boas maneiras, depois de uma vida mais confortável e com menos estresse, se for aplicado o Memorando de Entendimento Administrativo na Área de Bem-estar Animal entre o governo brasileiro e a Comissão Europeia.
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Quanto ao Arranjo de Cooperação Científica e Tecnológica, provavelmente produzirá resultados tão chochos quanto os anteriores, exceto na retórica oficial.
O acordo sobre picanhas, costelinhas e coxinhas será de certo implementado com mais empenho e acompanhado com mais atenção, porque assuntos sanitários afetam o comércio e são um pretexto fácil para protecionismo.
A mesma pobreza de ideias e compromissos marcou as reuniões do pessoal da União Europeia, em Santiago, com representantes da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e do Mercosul ou sua parte remanescente.
Em seu discurso de sexta-feira, na abertura do encontro Celac-UE, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, empenhou todo o seu talento - e com inegável sucesso - para evitar qualquer ideia original, interessante ou prática.
Ele falou sobre o valor de uma "nova aliança estratégica para balizar o futuro", lembrou a importância econômica do bloco europeu e perorou sobre a "cultura milenar" da Europa e o compromisso da região com a liberdade, a democracia e os direitos humanos.
Faltou, talvez, alguma palavrinha sobre os objetivos, limitações e outros aspectos práticos de um acordo comercial.
Dar prioridade a um acerto de livre comércio entre Mercosul e União Europeia seria a decisão mais prudente e com maior possibilidade de êxito neste momento. Um entendimento mais amplo, com toda a Celac, poderia ser discutido mais facilmente em seguida.
Mais limitada, a negociação inicial, entre União Europeia e Mercosul, envolveria dois blocos razoavelmente estruturados, pelo menos em termos formais, e seria possível aproveitar a experiência da negociação iniciada em 1999.
Houve vários impasses, a tentativa foi quase enterrada em 2006 e um novo compromisso de retomar o projeto foi formalizado em 2010.
Em março do ano passado, representantes dos dois blocos concordaram em cuidar da definição de questões normativas necessárias para um novo exercício de troca de ofertas.
A definição dessa prioridade parece inevitável, se os negociadores tiverem pelo menos um pouquinho de juízo.
Mas juízo continua sendo um insumo escasso na América Latina e especialmente no Mercosul. Na quinta-feira, enquanto ocorria a Cúpula Brasil-União Europeia, em Brasília, circulava em Buenos Aires a notícia de uma nova encrenca regional.
O governo argentino voltou a dificultar a importação de carne suína brasileira. Foi o terceiro recrudescimento desse conflito em um ano, em mais uma violação dos compromissos de normalização do comércio regional.
Governo e empresários argentinos, cada vez mais protecionistas, têm dificultado qualquer compromisso de liberalização de mercados.
Tiveram papel significativo no abandono da Rodada Doha, entravaram qualquer acerto com os europeus e criam obstáculos ao funcionamento do próprio Mercosul.
Além disso, Christina Kirchner já mostrou sua disposição: o Mercosul, segundo ela, só poderá negociar com os europeus depois da eleição no Paraguai, em abril.
A própria Kirchner liderou, no ano passado, a suspensão do Paraguai como membro do Mercosul. Agora usa o país como pretexto para bloquear a discussão de um acordo. De repente, a opinião paraguaia é importante para a senhora Kirchner.
Em 2012, essa opinião foi silenciada para facilitar o ingresso da Venezuela bolivariana. Por que os europeus, afinal, insistem no acordo com essa gente?