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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA
Privilégio pra poucos
02/03/2013
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo

Certas coisas que a gente lê nos fazem sentir otários. É o caso da reportagem publicada ontem neste caderno mesmo, na qual o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, se alia aos que defendem a tese de que os clubes devam ficar isentos do recolhimento de Imposto de Renda, PIS, Cofins e outras bobeirinhas que empresas de todos os tamanhos e matizes se veem obrigadas a pagar pra sempre. E, quanto mais sérias, honestas e transparentes são as firmas, tanto mais se apertam para andar na linha e deixar os papéis em dia. Morrem de medo de confusão. Você sabe bem do que falo.
Pois então, o senhor ministro apiedou-se da carga tributária que a Receita despeja sobre as agremiações e encomendou estudo que justifique o pedido de alívio geral. É de comover saber que o futebol tem elevado interesse social e constitui traço de nossa brasilidade. Arrepiei-me com a citação de frase inflamada do ex-presidente Lula que, ao homenagear os campeões do mundo de 1958, ponderou: "Quando a gente veste a camisa da seleção, está vestindo a camisa de nossa nação, está representando os milhões de brasileiros e brasileiras". Dá licença, vou pegar o lenço.
Faz muito tempo que as associações esportivas de ponta se transformaram em empreendimentos que lidam com milhões a jorrar pelo ladrão. Não me refiro a clubinhos de bairro ou de interior - esses sofrem como quaisquer pequenos empresários, sufocados pelos compromissos do dia a dia. Mas, quando se vê a grana que movimentam peixes graúdos como São Paulo, Flamengo, Corinthians, Grêmio, Cruzeiro, Fluminense, para ficar em meia dúzia de exemplos, dá urticária ler que devam ser tratados como coitados e beneméritos, sociedades sem fins lucrativos.
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O sujeito abre o jornal, e lê a notícia de que tal time contratou Fulano por 20 milhões de reais e vai pagar pra ele salários de 500 mil. Daí, acessa a internet e se depara com informação de que o técnico Sicrano ganha 700 pacotes todo fim de mês. Liga a televisão e vê o dirigente pimpão a apresentar contrato de patrocínio master no uniforme da equipe por 50 milhões anuais, com anunciantes de primeira linha, até estatais.
O cartola diz ainda que as receitas engordarão também com publicidade, direitos de tevê, merchandising, prêmios por eventuais títulos conquistados. Ou tem o caixa reforçado pela venda da promessa de craque por caminhão de euros. Na enxurrada de termos em inglês, muitos buscam cascatas de dinheiro por naming rights em estádios novos em folha. Há clube com canal de tv a cabo!
Nada contra a prosperidade dos clubes; desejo que cresçam, enriqueçam, segurem os ídolos, façam seus torcedores felizes e deixem de ter inveja dos Barças da vida. E, ao mesmo tempo, contribuam com o Tesouro como todo mundo que não sonega impostos. É justo, é sinal de consciência cívica. Iria além: que o apetite do Estado diminua de maneira ampla e generosa - para o assalariado, para o empresário, para a turma do futebol. O senhor ministro, um dos expoentes do PCdoB, poderia dar uma força.
Homem de fibra
Tite foi lapidar ao afirmar, após a vitória do Corinthians sobre o Millonarios, na noite de anteontem, no Pacaembu vazio, que os responsáveis pela morte do jovem Kevin Beltrán paguem pelo que fizeram. "Aquela tragédia não foi acidente, não foi. Acidente é outra coisa", ponderou o treinador, em postura que demonstra honra, sensibilidade e acima de tudo coragem. Qualidades que andam em falta por aí.


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