Só um homem não se surpreendeu: Bento XVI 14/03/2013
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Dei uma rápida olhada nos sites dos mais influentes veículos de comunicação do mundo ocidental. Ninguém contava com a ascensão do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, o Francisco I.
A partir de agora, leitores, passo a operar apenas com base no fluxo dos fatos e na possível lógica que determina seus movimentos.
Como diria aquele velho barbudo e furunculoso, que não gostava de igrejas, os homens não fazem a sua história como querem, mas premidos por circunstâncias que não são de sua escolha.
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Já um colégio de 115 cardeais pode escolher, sim, conduzir os fatos em vez de se deixar conduzir por eles.
Estou convicto de uma coisa: só um homem não se surpreendeu (e, claro!, os cardeais que ele mobilizou): o papa emérito Bento XVI.
Por que digo isso?
A decisão foi rápida. Depois de duas fumaças pretas, uma branca. Bento XVI, por exemplo, só surgiu no terceiro dia do conclave; Francisco I, no segundo.
Não se teria chegado ao cardeal Bergoglio, que não estava entre os favoritos, se um intenso trabalho já tivesse sido feito antes, junto a cardeais que certamente seguiram uma orientação — e não foi, por exemplo, a de Tarcisio Bertone, ex-secretário-geral do Vaticano.
Que Bento XVI estava descontente com a cúpula que governava a Igreja Católica, eis uma verdade que não é matéria de interpretação. É fato!
Isso estava em suas palavras. Do anúncio da renúncia até deixar o Trono de Pedro, o papa emérito certamente cuidou do nome do cardeal Bergoglio.
Contra todas as expectativas, o mais provável é que ele tenha sido um dos mais votados logo na primeira rodada.
Como cardeais não fazem campanha eleitoral, alguém cuidou de elevá-lo a essa condição.
Nesse contexto, o nome de Angelo Scola parece ter surgido mais como forma de despiste.
Adversário de Tarcisio Bertone, a polarização que atraiu as atenções do mundo escondia o tertius que, em verdade, era primus.
Não fosse assim, ter-se-ia chegado à solução mais tarde, depois de novas rodadas de votação.
Como escrevi no artigo publicado na VEJA, Bento XVI só renunciou porque queria ter o controle de sua sucessão.
Papa, vivo ou morto, não vota em conclave, mas só o vivo pode interferir. Se quisesse deixar o futuro da Igreja para as circunstâncias, o agora papa emérito teria ido até o fim.
Bento XVI estava descontente com os setores da Igreja que se moviam nas sombras, mas também é sabido que considera, e está certo, que a saída não é a laicização.
Ou a instituição existe para pregar a verdade revelada pelo Cristo ou não tem razão de ser.
A Santa Madre não é uma ONG ou um “partido progressista”.
Queria uma Igreja mais pastoral, mais missionária, mais apegada à doutrina e mais próxima dos pobres — e Francisco I representa esses valores.
Mas também urge uma Igreja mais disciplinada, mais rigorosa, mais obediente ao comando, mais, enfim, jesuítica.
Em síntese: o mundo se surpreendeu com Bergoglio, mas não Bento XVI — e os cardeais que lhe eram fiéis. Ele não renunciou por acaso.