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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

O mau pastor
15/03/2013 - O Estado de S.Paulo

O Partido Social Cristão (PSC) lavou as mãos diante das pressões para que revisse a escolha do pastor Marco Feliciano para presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, deixando que ele próprio decidisse se permaneceria ou não na função que está incapacitado de exercer - política e moralmente. Contemplada com a titularidade do colegiado cuja visibilidade é cada vez maior para setores também crescentes da sociedade, a bancada de 15 membros do PSC não previu ou, pior, não se importou com as reações que certamente adviriam da indicação, para dirigi-lo, de um correligionário portador de opiniões incompatíveis com o que se espera de órgão do Congresso que leva no nome o termo "minorias".

Já não bastasse o processo por estelionato a que responde no Supremo Tribunal Federal - ele teria recebido R$ 13 mil por um culto que não ministrou no Rio Grande do Sul -, o pastor originalmente da Assembleia de Deus, eleito por São Paulo, carrega a duvidosa distinção de publicar textos racistas e homofóbicos na internet. "Africanos descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé", escreveu no seu microblog há dois anos. A "maldição" é a origem da "fome, pestes, doenças, guerras étnicas" na África. Escreveu também, em outra mensagem, que "a podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam (sic) ao ódio, ao crime, à rejeição".

A livre manifestação do pensamento é um dos direitos humanos basilares, embora nem sempre seja nítida a fronteira entre a expressão, como tal, de opiniões - por absurdas ou repulsivas que sejam - e o intento criminoso de difundi-las para incitar o ódio a terceiros por suas origens étnicas, crenças religiosas (ou ausência delas) e preferências sexuais. Mas, clama aos céus, como se diz, que um deputado com ideias abestalhadas e preconceituosas seja guindado à chefia de uma comissão legislativa federal cuja razão de ser consiste em combater toda sorte de violações de direitos da pessoa, em especial dos grupos minoritários da população brasileira.


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Sem falar no que isso acrescenta em matéria de desmoralização do Congresso Nacional por suas recorrentes demonstrações de desprezo pela opinião pública. Uma das mais conhecidas, por sinal, é a instituída esbórnia com os recursos públicos a que se abandonam tantos de seus integrantes. Também nesse sulfuroso departamento, o pastor Feliciano, ainda no seu primeiro mandato, parece mover-se com a desenvoltura de um veterano. Segundo a Folha de S.Paulo, 5 dos seus 20 assessores de gabinete - pastores evangélicos como ele - recebem salários de até R$ 7 mil mensais, bancados afinal pelo contribuinte, sem aparecer nem na Câmara nem mesmo no escritório político do chefe, no interior paulista. Podem ser vistos, no entanto, celebrando cultos em templos da Catedral do Avivamento, a igreja fundada pelo deputado.

As negociações entre as lideranças parlamentares das quais resultou a entrega ao PSC da presidência da Comissão de Direitos Humanos até então ocupada pelo PT, que desta vez preferiu conduzir três outros colegiados de maior calibre, foram apontadas como a causa remota da escandalosa ascensão de Feliciano. Mas isso implica imaginar que não haveria diferença alguma se o PSC escolhesse qualquer dos demais dos seus parlamentares para o posto. Por esse insustentável raciocínio, a onda de protestos - nas ruas, nas dependências do Congresso e nas rede sociais -, de que evangélicos igualmente participam, se ergueria não importa o nome do escolhido. Equivaleria a presumir que, para a sociedade, o PSC é um baluarte do racismo e da homofobia.

Se não merece a pecha, mais um motivo para a agremiação rever a sua atitude - até diante do risco de acabar identificado na próxima campanha eleitoral como "o partido do racista". Não se iludam os seus dirigentes: o caso não sairá de cena tão logo os políticos vierem a produzir mais um de seus vexames. A acerba condenação à escolha de Feliciano traduz o aprofundamento, entre os brasileiros, dos valores da tolerância e da aceitação das diferenças. Isso não é passageiro.


  

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