Cadáveres com e sem pedigree 05/04/2013
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Os chamados “líderes extrativistas” José Cláudio Ribeiro da Silva e sua mulher, Maria do Espírito Santo, foram assassinados no dia 24 de maio de 2011. O crime ocorreu em Nova Ipixuna, no sudeste do estado.
O governo federal e os movimentos sociais denunciaram, então, uma suposta onda de extermínio de lideranças camponesas. Organizou-se até uma força-tarefa com cinco ministérios para cuidar do assunto.
Observei, então, que 50 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil. Em vez de força-tarefa, o governo federal corta verbas da Secretaria Nacional de Segurança Pública… Há mortos com pedigree e sem pedigree. Para os que não têm distintivo de militante, os “companheiros” não dão a menor bola.
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Os acusados pelas duas mortes estão sendo julgados no Pará: o agricultor José Rodrigues Moreira, apontado como mandante; seu irmão Lindonjonson Silva Rocha, suposto executor, e Alberto Lopes do Nascimento, acusado de coautoria. Todos se dizem inocentes.
Os chamados movimentos de defesa dos direitos humanos estão lá em peso. A imprensa também dá grande destaque ao evento. Trata-se as duas mortes como parte de uma política de extermínio de lideranças camponesas.
Será mesmo? Vamos aos fatos.
FATO UM – Rodrigues, o acusado pela morte, não é um plutocrata da terra ou um madeireiro. Ao contrário: era também um assentado da região, como José Cláudio e sua mulher. Se for um dos culpados pelas mortes, que seja exemplarmente punido, mas inexiste, no caso, o componente de natureza política que tentam lhe emprestar.
FATO DOIS – Rodrigues comprou efetivamente um lote. José Cláudio e sua mulher diziam que era uma compra irregular. ESTAMOS FALANDO DE UMA BRIGA ENTRE ASSENTADOS, NÃO DE UMA LUTA ENTRE LATIFUNDIÁRIOS E SEM-TERRA. Se os três acusados forem culpados pelo crime, que paguem. Mas que paguem pelos crimes cometidos, que já são bárbaros o bastante. O problema é que estão querem usar o episódio para alimentar uma outra narrativa.
FATO TRÊS – O fato dois conduz ao fato três, que diz respeito a Ipixuna e a centenas de outros assentamentos Brasil afora. Existe um frenético comércio de lotes de assentamento. A reforma agrária, da forma como é feita no Brasil, sob o comando do MST — essa é a verdade —, estimula o mercado clandestino de venda de terras. É mel da sopa. O sujeito recebe a área, vende a terceiros e invade um novo local. A demanda não acabará nunca. Isso é apenas um fato. No caso, parece que o acusado teria comprado o lote de uma dona de cartório ou algo assim. Pouco importa: ele pagou por uma terra que tinha, originalmente, a chancela oficial.
FATO QUATRO – O fato três conduz ao fato quatro. O Brasil conhece pouco o que se passa nos subterrâneos do mercado clandestino da reforma agrária e das “leis” que vigoram em assentamentos. São uma verdadeira terra de ninguém. Brasil afora, os “assentados”, conduzidos por organizações políticas, criam as suas próprias regras. Mata-se e morre-se muito mais do que se imagina e se sabe. Quem me contou conhece profundamente os bastidores do movimento. É um cara “do lado de lá” e ainda hoje figurão de uma dos maiores partidos do Brasil. Hoje, não fala mais comigo. Mas sabe o que me disse. Existem, sim, mortes encomendadas por madeireiros clandestinos e grileiros. Mas a maioria dos casos, como o de Ipixuna, está relacionada a rixas locais e brigas entre assentados. Esse episódio chegou ao conhecimento da polícia. A maioria não chega.
FATO CINCO – É preciso levar à cadeia mandantes e executores do casal, sim. Fim de papo. Mas isso não muda a biografia de ninguém. José Cláudio, como informei aqui no dia 20 de julho de 2011, não era exatamente uma pomba da paz. Mereceria morrer por isso? Ora, deixemos de estupidez! É claro que não! Mas também não podia, até onde alcanço, matar ou participar de ações que resultassem em morte. E isso aconteceu.
Em agosto de 2009, José Cláudio e um irmão chamado Claudemir foram, armados, tomar satisfações com um outro assentado, apelidado de “Pelado”. Motivo: este não aceitava a liderança de José Cláudio, do irmão e da mulher. Resultado da conversa: Claudemir matou Pelado a tiros.
O pacífico extrativista que aparece nas cândidas reportagens da imprensa brasileira resolvia suas diferenças de arma na mão. O Pará estava sob o governo da graça de Ana Júlia Carepa, do PT.
ATENÇÃO! O INQUÉRITO SÓ FOI ABERTO EM DEZEMBRO DE 2010, um ano e quatro meses depois. E, obviamente, ninguém ficou nem sabendo que houve um dia um homem apelidado de “Pelado”, morto a tiros por “extrativistas progressistas”.
FATO SEIS – Noticia-se na imprensa como se fosse regular, correto e decente que o governo federal, por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, emitiu uma nota, assinada pela inefável Maria do Rosário, pedindo a punição dos réus: “A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República espera que os jurados tenham a sensibilidade e a firmeza em defender os direitos humanos e tornar esse caso um exemplo na consolidação da Justiça e um marco na proteção dos defensores de direitos humanos”.
Eu também, a exemplo de toda gente decente, espero que se faça justiça nesse caso e nos outros 50 mil homicídios dolosos que acontecem todo ano no Brasil. Mas lembro que é um despropósito que o Poder Executivo emita uma nota cobrando a condenação de quem está em julgamento, por mais odientos que sejam os réus e por mais evidente que seja a sua culpa. Isso é coisa de ditadura, não de democracia.
O Poder Executivo não tem de dizer qual é a sua expectativa em casos que estão sob o escrutínio do Poder Judiciário. É que Maria do Rosário não resiste à tentação de fazer baixo proselitismo. Eu garanto que a ministra não sabe que rumo tomou a investigação da morte de Pelado. Afinal, Pelado é um cadáver que estava do lado errado da luta…
Concluo
1) Cana para os ainda acusados se forem considerados culpados.
2) Estamos diante de um caso de briga entre assentados por causa do comércio clandestino de terras oriundas de assentamentos feitos pelo governo federal.
3) Grupos políticos que atuam no campo fazem as suas próprias leis e têm a sua própria “justiça”; nessas áreas, vigora a pena de morte. O governo federal faz de conta que não sabe.
4) Militantes políticos e ONGs estão tentando encobrir o que de fato se deu em Ipixuna, simulando um falso confronto entre assentados e grandes proprietários.
5) Maria do Rosário, que denunciou, há dois anos, uma suposta escalada de assassinatos contra líderes rurais, volta a falsear a realidade com a sua nota, além de, obviamente, ir além de suas sandálias ao tentar pressionar o Poder Judiciário.
6) É um escândalo moral inventar uma narrativa política para as mortes para só então declarar a sua fealdade. Fica parecendo que os casos não seriam graves o bastante se os mortos não tivessem, como tinham, vínculos com movimentos militantes.
O problema, meus caros, é que essa gente que está aí protestando — incluindo Maria do Rosário — realmente não estaria dando a menor pelota se os mortos não fossem “da turma”. Ou alguém se importou quando o irmão de José Cláudio, na companhia deste, mandou “Pelado” desta para a pior?
Tanto Pelado como José Cláudio eram seres humanos. Essa era apenas a vulgaridade que os igualava. O que torna José Cláudio especial é seu pedigree militante.
Nessa marcha, ainda acabará constando do Código Penal, que, no casos de assassinato, se a vítima for de esquerda, a pena do condenado deverá ser acrescida em um terço. Será considerada uma circunstância agravante. Se for de direita, isso servirá como atenuante.
Eu, reacionário que sou, acho que gente tem mais é de viver: de direita, de esquerda ou de coisa nenhuma. E acho também que lugar de assassinos e seus cúmplices é a cadeia, sejam de direita, de esquerda ou de coisa nenhuma.