Arapuca são-paulina 10/05/2013
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo
O São Paulo está sem rumo dentro de campo e com autocrítica destrambelhada nos bastidores. Jogadores e comissão técnica não dão conta do recado nas competições de que participam, como mostram as duas eliminações em quatro dias e o futebol oscilante da equipe. A cartolagem reforça a sensação de destempero com atitudes impregnadas de soberba e doses de galhofa fora de hora. Em resumo, está uma esculhambação.
A coisa não vai bem desde cima. Na tarde do segundo jogo com o Atlético, o presidente Juvenal Juvêncio deu longa entrevista ao repórter André Philal. No estilo pirotécnico e na linguagem rococó que o distinguem, destilou ironia pra todo lado. O objetivo, claro, era o de mostrar que o clube que comanda não compactua com acertos antidesportivos, é pautado por lisura e fair-play, e que paga preço salgado por essa postura. Enfim, pintou retrato de uma agremiação composta por cavalheiros. Aquela negócio do difereeeen-txe! de que se gaba. Pode ser, não discuto o caráter de ninguém.
Mas, de tanto deixar o falatório escoar pelo ladrão, o dirigente caiu em armadilha. Pra cutucar os colegas mineiros, referiu-se ao estádio Independência como uma arapuca, por ser acanhado e supostamente intimidar os adversários. Ficou no ar que a artimanha de não jogar no Mineirão seria forma de pensar pequeno. Pois se esqueceu de emendar, mais tarde, que a ratoeira foi tão bem montada que o time dele não viu a cor da bola, levou de 4 a 1, fora o baile, e saiu da Libertadores murchinho, calado e com o lombo dolorido. O Atlético-MG passeou diante de oponente tão estrelado na competição.
PUBLICIDADE
Em vez de vislumbrar inveja e supostas armações, o longevo dirigente poderia voltar-se para si próprio e para o tipo de administração que vinga atualmente no Morumbi. A começar por mudanças de estatuto que lhe permitiram estender o tempo de permanência no poder e sufocam a oposição. Antes, o rodízio frequente na presidência tinha o verniz de processo democrático e de renovação constante no clube.
Agora, não. Fica a impressão de que, assim como outras associações, o São Paulo também é uma espécie de capitania hereditária na qual a sucessão ocorre por direito divino ou régio. Erro que levou pesos pesados (Vasco e Palmeiras, por exemplo) a regredirem e perder espaço. Ambos não conseguem se recuperar de anos de absolutismo de personagens de triste memória. O tricolor armou arapuca semelhante e caiu nela.
As consequências se estendem para o gramado - e atingem o torcedor. O sujeito que está nas arquibancadas ou não liga para a política interna ou, o que é mais comum, não tem acesso às disputas de grupos e facções. (Falo dos fãs comuns, não daqueles que têm interesses.) Pois esse cara que veste a camisa, que se esgoela e se escabela, quer ver bons resultados, concentra a atenção na turma que faz a bola correr. E nisso tem acumulado decepções.
O São Paulo gastou uma dinheirama e não montou elenco competitivo e homogêneo. Escrevi algumas vezes que não o considerava frágil - mas, depois de seguidos sustos e fiascos, tendo a rever minha opinião. Difícil encontrar justificativa para seis derrotas, três vitórias e um empate na Libertadores (com os jogos da fase preliminar). Mal se formou, já terá de passar por reforma.
Para não ficar em análise imediatista, com base em episódios recentes e ainda quentes, um recuo na folhinha amplia a crise de identidade tricolor. Depois dos títulos nacionais de 2006/07/08, minguaram as conquistas. A única foi a Sul-Americana de 2012, com a final inacabada com o Tigre. Se quiser aliviar, se pode alegar que ciclos de glórias e apertos fazem parte da história dos grandes times. Meia-verdade.
O São Paulo ficou duas décadas (1989/2008)em evidência e se tornou dos mais premiados clubes brasileiros. Cultivou a imagem de eficiência e vanguarda. Mas estagnou e precisa de mudanças - do topo à base, se pretende de novo ser diferente, de fato e não só no papo.