A política, segundo Afif 23/05/2013
- DEMÉTRIO MAGNOLI*
"Ela não criou esse ministério para o PSD. O convite aconteceu e foi aceito por afinidade temática. Esse tema é a minha vida e é prioridade do governo."
Guilherme Afif Domingos é um brincalhão, mas tenho a leve impressão de que, enquanto ele goza da cara dos eleitores, a presidente e o presidente emérito gozam da cara dele.
No dia em que o ministro número 39 oferecia essa cândida explicação, o ministro número um, Gilberto Carvalho, imagem holográfica de Lula da Silva, preferia falar a verdade - ou, ao menos, parte dela:
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"O partido que ele representa, vindo apoiar nosso governo, ampliando nossa base, é importante".
Todos sabem que a "causa da microempresa" é só um pretexto para a transação que conduziu Afif à Esplanada dos Ministérios.
Contudo nem mesmo o sincero Carvalho disse que a motivação principal do convite não se encontra nos minutos de televisão do "partido que ele representa".
Afif está lá, antes de tudo, para provar uma tese sobre a política e a representação.
"O senhor já fez muitas críticas ao PT. Chegou a dizer que Dilma não tinha biografia para o cargo...".
Um conceito de política emergiu na resposta do novo ministro: "As críticas foram feitas na conjuntura de campanha política. Não teve nada de crítica pessoal, foi tudo na retórica de campanha".
Desde o século 16, os governantes europeus aprenderam que, em nome de seus interesses vitais, a direção das esferas das finanças, do Direito e da guerra deve ser entregue a servidores especializados.
O 39.º ministério de Dilma, que não se inscreve em nenhuma dessas três esferas estratégicas, é uma ferramenta a serviço de interesses menores.
A missão de Afif, concluída antes de seu primeiro dia no gabinete, era produzir uma definição de política.
Política, segundo Afif, é a arte de iludir os eleitores. O governo de Dilma queria dizer isso, mas por uma voz terceirizada.
À primeira vista, Afif não inova quando declara que, na "política", as palavras carecem de sentido.
Afinal, Lula da Silva, seu mestre adventício, não qualificou como "bravatas de oposição" o discurso petista anterior à Carta ao Povo Brasileiro?
O paralelo, embora sedutor, não é pertinente. Max Weber esclareceu a distinção entre a "ética da convicção" e a "ética da responsabilidade".
A primeira se subordina ao imperativo categórico da lei moral e se regula por valores que o político almeja pôr em prática.
A segunda parte de uma análise sobre o bem comum e se regula pelo cálculo realista sobre as consequências comparativas de diversas alternativas de ação.
Os petistas têm o direito de justificar a Carta ao Povo Brasileiro à luz da "ética da responsabilidade", mas é impossível associar a aventura ministerial afifiana a qualquer tipo de ética.
Sua "responsabilidade" não tem por referência os interesses públicos, mas as conveniências partidárias, e sua única "convicção" é que convicções políticas não passam de estorvos descartáveis.
Afif não é, nem de longe, um pioneiro do adesismo ou da abjuração.
Roberto Mangabeira Unger, um predecessor recente, classificou o governo Lula como "o mais corrupto" da História do Brasil menos de dois anos antes de aceitar o convite do presidente para ocupar uma cadeira ministerial também inventada "por afinidade temática".
Unger beijou a mão de Lula da Silva em sentido figurado; Afif beijou literalmente a mão de Dilma.
A diferença, porém, está no lugar ocupado por cada um deles no palco da democracia representativa.
"Você quer que eu renuncie a um cargo para o qual fui eleito? Estão querendo me cassar? Eu não fui nomeado, fui eleito."
A indignada resposta afifiana escancara a diferença.
O intelectual de Harvard que sonhou converter-se em Rasputin de um salvador da Pátria só representava a si mesmo; o vice-governador paulista que corre para ocupar um puxadinho na Esplanada dos Ministérios representa milhões de eleitores.
No momento em que abjura, ele não trai apenas suas duvidosas convicções, mas o princípio da representação democrática.
De fato, é o seu gesto que cassa os direitos de seus eleitores.
O ministro do puxadinho, que sempre se exibiu como um liberal, serve-nos agora uma oportuna tese política - e o faz assimilando a palavrinha "elite", cara à linguagem de Lula da Silva.
"Esse negócio de ideologia está na imprensa e em setores da elite. Hoje a sociedade é pragmática. Essa questão de direita e esquerda é de um momento do século passado."
A descoberta filosófica afifiana, um fruto dos efeitos iluminadores do convite presidencial, tem oportunas implicações práticas:
"Hoje o proletário sonha em ser burguês. Isso é algo que me une ao Lula".
O "sonho do proletário" - eis o impulso que empurra o PSD rumo ao Planalto!
A abjuração afifiana tem escassa importância. Ela serve, porém, como pista para desvendar a paisagem degradada do sistema político brasileiro.
Aécio Neves criticou a presidente por praticar um "governismo de cooptação".
A expressão diz algo correto, mas periférico, sobre a iniciativa presidencial.
De fato, a cooptação do PSD almeja mais que arruinar as oposições: com a finalidade de se perpetuar no poder, o lulopetismo semeia a descrença nas virtudes da pluralidade política e da divergência democrática.
Seu êxito nesse campo não se deve, contudo, aos poderes encantatórios de Lula da Silva ou Dilma Rousseff, mas à falência política do PSDB.
O candidato Aécio Neves não estendeu suas críticas ao próprio Afif, a Gilberto Kassab e ao PSD, o primeiro partido brasileiro criado com o propósito explícito de se oferecer à cooptação.
O governador Geraldo Alckmin preferiu o curioso caminho de parabenizar a presidente pela escolha de seu vice como novo ministro.
No horizonte dos dois tucanos nada existe além das fronteiras dos palácios governamentais, Casas legislativas e aparelhos da administração pública.
Eles perderam o contato com as pessoas comuns.
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*SOCIÓLOGO E DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI@UOL.COM.BR.