Falas irresponsáveis 23/05/2013
- O Estado de S.Paulo
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, endossou o que a grande maioria dos brasileiros acha do Congresso Nacional e dos partidos políticos.
O Congresso, disse ele segunda-feira em palestra na faculdade onde leciona, em Brasília, é ineficiente e inteiramente dominado pelo Poder Executivo. Isso porque os partidos são de mentirinha, desprovidos de consistência doutrinária e querem o poder pelo poder.
No mesmo dia, uma ministra de Estado, Maria do Rosário, titular da Secretaria dos Direitos Humanos, escrevendo no Twitter, culpou a oposição pelos boatos sobre a extinção do Bolsa-Família que no fim da semana levaram centenas de milhares de pessoas em pânico aos postos de pagamento da Caixa Econômica Federal em 13 Estados, em meio a tumultos e depredações.
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A fala do ministro e a mensagem da ministra, em que pesem as óbvias diferenças entre eles na ordem das coisas - sem esquecer que o primeiro enunciou um punhado de prováveis verdades, enquanto a segunda fez uma acusação sem provas -, se caracterizam, ambas, pela irresponsabilidade.
O caso de Barbosa é o mais grave. O presidente da mais alta instância do Judiciário simplesmente não pode dizer em público o que pensa das demais instituições em que se estriba o Estado Democrático de Direito e a ordem republicana do País. Pouco importa se a sua avaliação tem fundamento. Seria um escândalo se, por exemplo, o presidente do Congresso saísse a criticar o sistema de decisões do STF e a integridade de seus componentes. Jamais o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, a qual serviu de paradigma para a congênere brasileira, se permitiria a incontinência de verberar as mazelas do Capitólio e dos políticos que nele têm assento.
O comportamento de Barbosa contém ainda duas agravantes. Em primeiro lugar, devido à sua conduta no julgamento do mensalão, ele conquistou entre a opinião pública prestígio decerto sem precedentes entre os seus pares, a ponto de ser falado como o presidente da República ideal para o Brasil. O eco de seus pronunciamentos, naturalmente, é proporcional ao apreço de que desfruta. Em consequência, a esta altura não serão poucos os que, além de verem respaldado o seu desdém pelos políticos, devem estar aplaudindo a franqueza do ministro, sem se dar conta da transgressão institucional que cometeu. A segunda agravante é o efeito "gasolina no fogo" das palavras de Barbosa. Congresso e STF, como se sabe, andaram-se estranhando mais do que de costume nas últimas semanas.
Horas depois de a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovar o vingativo projeto de um deputado petista para usurpar poderes que a Constituição confere ao Supremo, como cláusula pétrea, o ministro Gilmar Mendes acolheu o pedido de um senador para sustar a tramitação de uma proposta que dificulta, na prática, a criação de novos partidos. As tensões diminuíram com a decisão do presidente da Câmara de enterrar o projeto provocador e a promessa de Gilmar Mendes de submeter em breve a sua liminar ao plenário do STF. Agora, as observações de Barbosa deram azo a que o vice-presidente da Câmara, o petista André Vargas, o atacasse com alegações toscas. O titular da Casa, Henrique Alves, por sua vez, considerou a manifestação do ministro desrespeitosa e prejudicial à harmonia entre os Poderes.
Barbosa retrucou que falara como acadêmico, sem emitir juízos de valor. Teria sido apenas um "exercício intelectual". Membros do STF não vestem ou tiram a toga quando lhes aprouver. Ela está como que colada à sua pele. Obriga-os a calar sobre política quando esta não transborda para o âmbito de suas funções. E, se a referência a partido "de mentirinha" não é um juízo de valor, o que mais poderá ser?
Guardadas as proporções, a defesa de Barbosa se equiparou à da ministra Maria do Rosário. Depois de enquadrada por ordem da presidente Dilma Rousseff por ter atribuído os boatos sobre o fim do Bolsa-Família a uma "central de notícias da oposição", ela voltou ao Twitter para se retratar: "Não tenho nenhuma indicação formal da origem dos boatos". O que teria feito, acrescentou pateticamente, foi expressar uma "singela opinião".