30 segundos que resumem o Brasil 28/05/2013
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Escrevi ontem à noite um post sobre a irresponsabilidade dupla da Caixa Econômica Federal — que alterou o sistema de pagamento do Bolsa Família sem avisar ninguém e depois negou que o tivesse feito, sendo desmentida por reportagem da Folha — e das autoridades do governo federal, que saíram a acusar ou as oposições, caso de Maria do Rosário (a ministra dos Direitos Humanos, de inumana compreensão), ou um complô conspiracionista, sugerindo que, no fundo, seriam mesmo as oposições: José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça e aspirante a disputar o governo de São Paulo pelo PT, e Dilma Rousseff. A governanta classificou a boataria sobre o Bolsa Família de “desumana e criminosa”.
Tudo não passou de uma trapalhada da Caixa Econômica Federal, pela qual se desculpou Jorge Hereda, presidente da instituição. Só desculpas?
Pois é… O que antes era “desumano e criminoso” não merecerá da soberana, pelo visto, nem mesmo um puxão de orelha. Cardozo continua em busca de um bode expiatório. Quem sabe apareça alguém para confessar, não é?, e se descubra, então, que ele é vizinho da tia da cabeleireira que vem a ser prima da cunhada da faxineira do secretário-geral do PSDB de Arapiraca… É ridículo!
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Mais do que o boato do fim do Bolsa Família, o que se espalhou como rastilho de pólvora foi a informação de que havia uma graninha a mais na CEF, um bônus. As pessoas que lá iam constatavam: havia mesmo! Aí, meus caros, foi o que se viu…
Como pergunta Silvio Santos — numa indagação que, suponho, toca universalmente o coração e o intelecto: “Quem quer dinheirooo?”.
No post em questão, destaquei também o ar robusto, primaveril mesmo em alguns casos, dos assistidos do Bolsa Família.
O valor médio do benefício pago a cada família está aí na casa dos R$ 150. Muita gente recebe menos, mas há quem receba mais: nunca menos de R$ 32, nunca mais de R$ 306 — é o que informa o governo.
Muito bem. Agora volto à assistida do vídeo. A entrevista foi concedida ao Jornal Nacional de sábado.
Reproduzo a sua fala, uma das maiores contribuições jamais prestadas à compreensão sociológica destes dias.
“Eu fui na lotérica, como vou de costume, fazer um depósito na poupança do meu esposo. Fui depositar o dinheiro. Como eu já estava lá, eu tinha de ir fazer isso, eu aproveitei, levei o cartão e tirei o meu Bolsa Família. Quando eu tirei, saiu (sic) os dois meses”.
Entendi. Ela foi depositar, como faz habitualmente, um dinheiro na poupança do marido, certo?
Já que estava lá, levou o cartão do Bolsa Família e pimba! Saíram os dois meses de uma vez só.
Ai, ai, ai… Longe de mim querer cassar o benefício da distintíssima senhora Diane dos Santos — e espero que ninguém pegue no pé dela.
Mas me parece que alguém que tem dinheiro para fazer poupança não precisa do… Bolsa Família, certo?
Reitero: acusarei aqui perseguição caso queiram lhe cortar o benefício — porque, é fato, como ela, há uma legião, há milhões hoje em dia.
O problema não é ela, mas o programa. Eu até confesso uma certa simpatia por Diane, uma brasileira brejeira, com o cabelo arrumado, brincos, pele boa…
Ela desmoraliza os delírios dos bem-pensantes sobre o atavismo da fome no Brasil, que faz o coitadismo que embala as ideias de reparação social da esquerda universitária.
Ela não! É, reitero, distinta! Ela nem fala “marido” — deve achar meio grosseiro. Prefere, como Daniela Mercury, mas mudando o gênero, a palavra “esposo”.
“Então Reinaldo Azevedo sustenta que não existem mais a fome, a miséria…”
Aquela fome africana, que Lula dizia existir em 2002, que ele curaria com dois pratos de comida, não existe mais no Brasil há décadas, embora haja, é evidente, nichos de famélicos em algumas áreas do sertão e até nas periferias extremamente pobres das grandes cidades. Isso persiste.
Da mesma sorte, há, sim, pessoas com renda abaixo de R$ 70 em áreas restritas do Brasil profundo.
Mas os pobres — eu sei do que falo — somos duros de morrer, fiquem certos, sobretudo de fome. Sempre se arranja um bico pra fazer, um serviço extra, alguma coisa que garanta o sustento dos filhos.
No mais das vezes, essa renda per capita entre R$ 70 e R$ 140 é uma fantasia estatística.
Ou será que a distinta dona Diane está “depositando na poupança do marido” o dinheiro do Bolsa Família?
Ela nem havia sacado ainda o de abril — e já era dia 17!
Certamente, o depósito que fora fazer era uma sobra, não?, depois de satisfeitas as necessidades básicas.
Sobra de que renda? Não era do Bolsa Família!
Sim, é possível que haja alguns milhões de brasileiros que precisam efetivamente de um Bolsa Família, mas serão mesmo 40 milhões, 45 milhões talvez, divididos em mais de 13 milhões de família?
Não é só dona Diane dos Santos que prova que não. Vocês certamente se lembram desta senhora, que, diz, “só ganha R$ 134 há oito anos”, o que, segundo ela, não dá nem comprar uma calça para a filha, “uma jovem de 16 anos”, porque, afinal, uma calça para essa faixa etária custaria R$ 300…
De fato, ela não tem a menor dúvida de que comprar uma calça para a sua filha é, sim, um problema do governo brasileiro, não dela própria, do marido ou de sua família.
“Ah, o Bolsa Família vai custar em 2013 apenas R$ 24,9 bilhões. Perto do que o governo gasta com o Bolsa BNDES ou com o Bolsa Juros… Reinaldo não quer dar grana para os pobres.”
Nem para os ricos!!! Eu não acho que governos tenham de dar dinheiro para ninguém. No caso dos pobres, tem é de criar programas sociais que os estimulem a buscar uma saída.
E a injeção de recursos na conta do vivente só deve ser feita mesmo em último caso.
E já está mais do que claro que o Bolsa Família, para muita gente, virou uma doação…
O Nobel da Paz Muhammad Yunus está no Brasil. Ele criou o programa de microcrédito em Bangladesh que deu origem a um banco. Ele critica no Bolsa Família justamente seu caráter assistencialista.
O “andar de cima”, como quer Elio Gaspari, com essa categoria sociológica haurida da construção civil, consome bem mais do que os R$ 25 bilhões do Bolsa Família em subsídios, trapaças, aditamento de contratos etc.?
Certamente! Não deixa de ser uma forma de “bolsismo”, não é?, e das mais perversas.
Os dois extremos — os ricos cuidadosamente selecionados para as prebendas e os pobres que recebem todo mês um dinheirinho — se tornaram pilares de um modo de fazer política.
Uns são gratos ao governo de turno com doações eleitorais e outras que não aparecem nos registros do TSE; os outros expressam a sua gratidão com votos.
O Bolsa Família se tornou, assim, uma formidável máquina eleitoreira, e os que mais se entusiasmam com o governo nem são, suponho, os que realmente precisam, mas os que, não precisando, temem uma mudança de guarda e a perda de uma benefício de que, no fundo, sabem ser descabido.
Assim, é melhor deixar tudo como está.
Oposição
Compreendo que a oposição venha a público disputar a paternidade dos programas sociais porque, com efeito, o Bolsa Família nada mais é do que a reunião dos programas que existiam no governo FHC numa única rubrica.
Já demonstrei faz alguns anos que isso é verdade. Faço-o de novo transcrevendo trecho da Medida Provisória nº 132, que “criou” o Bolsa Família, no dia 20 de outubro de 2003.
Essa MP foi depois convertida na Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2004. O conteúdo era o mesmo.
Prestem atenção:
(…) programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação – “Bolsa Escola”, instituído pela Lei n.° 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA, criado pela Lei n.° 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde – “Bolsa Alimentação”, instituído pela medida provisória n.° 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto n.° 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto n.° 3.877, de 24 de julho de 2001.
Retomo
Assim, é claro que os programas foram originalmente criados pelo governo FHC. A questão é saber se dá para disputar essa paternidade hoje.
Parece-me que não! E a máquina de propaganda montada com o Bolsa Família tem, sim, um efeito eleitoral evidente, como ficou claro em 2006 e 2010.
Menos do que fazer tal disputa, as oposições teriam de ter a coragem de perguntar quem paga a conta.
É claro que os petistas partiriam pra cima, acusando-a de querer acabar com o programa. Ocorre que o eleitorado cativo, meus caros, cativo já está.
Não será desse mato que vão sair tucanos. Não saem mesmo! Os que se apõem ao petismo, reitero, têm de aprender a falar com quem paga a conta — muito especialmente os trabalhadores.
Que país existe na outra ponta dessa forma de assistencialismo?
Não tem outra ponta nenhuma! A outra ponta é esta que está aí. Está bom assim? É o que o modelo permite. As virtudes já se esgotaram.
Com Bolsa BNDES e Bolsa Família, a gente vai ficando assim.
Teremos um dia uma oposição capaz de politizar o que tem de ser politizado, fugindo do demônio do consenso, que é, numa democracia, o que é a censura na ditadura? Não sei.
Se e enquanto não o fizer, pode ir brincar de outra coisa. Chegou a hora de conversar com quem, não tendo o Bolsa Família, não tem também uma sobra para depositar na poupança do “esposo”.