O sonho da rapaziada 05/06/2013
- ANTERO GRECO - O Estado de S.Paulo
Neílton tem 19 anos, cara de garoto, usa aparelho nos dentes e cabelo moicano, mostra timidez no contato com imprensa, começou outro dia no Santos, joga no ataque ou no meio e lembra Neymar. Não por acaso. O ex-companheiro de clube é modelo a seguir, pelo sucesso rumoroso e rápido, pela transferência milionária para o Barcelona e pela grana que já ganhou, embora tenha atingido a maioridade recentemente e com pouco tempo a mais de profissionalismo. Inevitável, portanto, imitá-lo, em estilo de jogo, aparência e aspirações.
Vi entrevista dele na segunda-feira, poucas horas depois de Neymar fazer a primeira aparição no Camp Nou como pop star. O rapaz se encantou com a guinada na vida do amigo e, sem ponta de malícia, admitiu que pretende seguir os passos do novo parceiro de Messi. "Fiquei me imaginando lá. Arrepiei", respondeu, na bucha, ao lhe perguntarem o que havia sentido durante a festa dos espanhóis com transmissão pela tevê. E emendou que pretende empenhar-se, com "seriedade e humildade", para ter destino semelhante.
Neílton cometeu gafe, e não se deu conta disso. Na ingenuidade, relegou o clube atual para segundo plano e escancarou o desejo dos jovens boleiros (e dos nem tão novos assim): o de arrumar as malas e se mandar para o exterior tão logo surja uma oportunidade. Esse pessoal acredita que fama e fortuna estejam lá fora e não dentro de casa.
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Em muitas ocasiões, gastei tutano e argumentos, aqui, no blog e na televisão, em defesa da permanência de talentos, senão durante a carreira toda, ao menos na etapa de crescimento e consolidação. Dessa forma, criariam identificação com os torcedores, atrairiam público, contribuiriam para elevar a qualidade dos campeonatos domésticos e dariam lucro aos times. Mais tarde, bateriam asas e se exibiriam para outras plateias. Tantos ídolos cumpriram essa trajetória.
Reconheço que, nas circunstâncias atuais, é proposta fora de sentido. As equipes pouco se empenham para segurar o que têm de melhor. E assim agem por diversos motivos, o principal deles, a crônica falta de recursos. Antes, rezam para que desponte um jogador de destaque, mediano que seja, para chamar a atenção dos gringos e se transformar em dólares ou euros que reforcem o caixa por um período. Saltam de alegria se o veem ir embora.
O Santos aparentemente remou contra a maré, ao segurar Neymar além do que se imaginava, num projeto mirabolante. Teve méritos, sem dúvida, só que agora ficou claro que se tratava de jogo de cartas marcadas, com desfecho previsível e acertado. As pistas iniciais foram publicadas no Estado mesmo, um ano e meio atrás, quando o Barcelona bateu o martelo. Em seguida, entrou o Real no circuito e parecia que a reviravolta estava em curso. Balela, os catalães haviam amarrado bem a transação. Era só questão de esperar.
Se havia alguma dúvida, ela se desfez com declarações do vice-presidente do Barça, ao revelar que em 2011 já haviam sido entregues em torno de R$ 27 milhões para selar o acordo. O que ocorreu, dali em diante, foi um jogo de cena danado, com todos a negar o óbvio. Parabéns ao grande número de atores - Neymar, sobretudo, que diversas vezes se mostrou indignado com as "especulações" em torno do futuro dele.
Neymar ia embora - mais dia, menos dia; sabia disso e só adiou o anúncio. Quando se aproximou a hora, se criou clima propício para o desenlace, algo na linha "Neymar cansou das críticas e a saída é largar tudo e tentar a sorte no estrangeiro". Bem, tinham lá seus motivos para comportar-se assim. Então, boa sorte.
A lição maior do episódio é a de que passará no mínimo uma geração para que os candidatos a craques (que sempre produzimos) criem raízes na própria terra. No mais, é latim jogado fora o papo de que têm papel até cívico a desempenhar. Incentivada por cartolas e empresários, a rapaziada vê os clubes locais como estágio de passagem e se escafede o quanto antes. E aqui chupamos dedo.