CPI já! 05/06/2013
- Blog de Reinaldo Azevedo - Veja.com
Mércio Gomes é antropólogo e presidiu a Funai no primeiro governo Lula. Não! Não somos, como costuma brincar uma amiga jornalista, da “mesma enfermaria”.
Neste blog mesmo, já andei enroscando com ele, especialmente por causa de uma declaração que considerei infeliz sobre infanticídio em algumas tribos.
Mas ele presidiu a Funai e, suspeito, conhece a coisa por dentro. Mércio tem blog, onde escreve, claro!, sobre questões indígenas.
PUBLICIDADE
E postou em janeiro de 2011 um texto sobre o que considerou as três visões básicas existentes sobre o tema no Brasil.
Ele as definiu assim:
1: Indigenismo rondoniano (oriundo do Marechal Rondon)
– Os índios são os habitantes originários do Brasil, com culturas próprias, e por isso merecem um tratamento diferenciado por parte do Estado republicano (…)
- O Estado brasileiro deve ter um órgão de proteção e assistência aos povos indígenas que se responsabiliza pela relação de intermediação entre eles e o resto da Nação.
- isso significa proteger os territórios indígenas, através da sua demarcação, mantendo sua incolumidade e o usufruto exclusivo de suas riquezas naturais; e assistir as populações indígenas para que elas se fortaleçam e criem, no correr do tempo, mecanismos de autoproteção e autossustentação.
2: Indigenismo cimista
– é a do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ela advém originalmente da Igreja Católica e de seu papel na formação do Brasil. Os índios são considerados seres incompletos por não professarem a religião cristão, na vertente católica, mas poderão vir a ser completos se forem cristianizados.
– Modernamente, o indigenismo cristão-cimista ganhou uma forte coloração política advinda da Teologia da Libertação. Por essa teologia, os índios são equiparados aos oprimidos da Terra, cuja salvação depende não só de Deus, como também da consciência política de sua situação de oprimido. O papel do missionário do CIMI, portanto, é de despertar os índios para as condições de sua opressão, e movê-los à luta para que eles obtenham as condições sociais requeridas (…)
O indigenismo cristão-cimista se imbui de uma visão messiânica do mundo (…) O caso mais evidente dessa visão messiânica se projeta sobre os povos Guarani, especialmente do Mato Grosso do Sul, interpretados como os mais oprimidos e como aqueles que têm uma relação religiosa, semicristã, que favoreceria uma futura doutrinação.
3 – Indigenismo neoliberal
A terceira visão sobre a questão indígena é aquela que já chamamos em outras ocasiões de indigenismo neoliberal, própria das ONGs e de grupos sociais que revolvem duplamente em torno do Estado e dos movimentos ambientalistas estrangeiros.
– professa claramente uma atitude anti-estatal. Isto é, a visão neoliberal considera que o Estado (Funai) tem sido deletério para os povos indígenas historicamente (…) Em consequência, o indigenismo neoliberal se arvora em um lugar de destaque no indigenismo, não como complemento ao Estado, mas como ator e agente indutor de visões e ideologias modernas. Entre essas visões, estão:
(a) o discurso de que os povos indígenas não devem se integrar à Nação brasileira; (b) a mediação administrativa e financeira nas negociações internacionais das terras indígenas visando obter recursos via compensação de carbono; (c) e que a aplicação de política sobre os grupos indígenas chamados isolados deve partir da iniciativa de ONGs em acordo com a Funai (…)
– A visão neoliberal implica, portanto, uma visão comercial dos povos indígenas, a partir dos quais as ONGs sobrevivem como empresas camufladas e podem obter recursos de fontes diversas, desde organizações cristãs da Europa até empresas doadoras, países com políticas internacionais ou ambientalistas, e até o próprio governo americano, via USAID e ONGs americanas.
– O indigenismo neoliberal tem sobrevivido e crescido nos últimos anos graças à condição de ter um pé dentro do governo e outro pé no movimento ambientalista internacional. Com um pé obtem recursos, com o outro condições e legitimidade da comunidade ambientalista e até antropológica para realizar o que pretende.
Voltei
Caso tenham se interessado, leiam a íntegra de seu artigo. O nome “neoliberal” para a terceira visão é boboca, é pura distorção ideológica de Mércio, lamento dizer.
Embora as tais ONGs não sejam alheias ao capital, é evidente, o fato é que essas entidades congregam hoje as chamadas novas esquerdas locais.
Se elas, no fundo, são neoliberais, aí é prosa sem fim. Mas não me parece inteligente empregar um termo que virou xingamento para criticar aquilo de que não se gosta.
Eu, que sou um liberal em economia, não reconheço a existência de um “neoliberalismo”. Nunca ninguém definiu o que é isso. Mas vamos ao ponto.
Mércio foi presidente da Funai. O texto acima, embora não pareça, dado o tom, é uma denúncia. O que ele está apontando é uma indústria do conflito, montada, segundo entendi, por interesses comerciais.
E Mércio sabe, porque aconteceu em Raposa Serra do Sol, que o Indigenismo Cimista pode se juntar com o Indigenismo Ongueiro.
Uma das financiadoras da ONG que promoveu a causa em Roraima recebe dinheiro da Fundação Ford.
Todo o Brasil
Em maio de 2010, a VEJA publicou uma reportagem demonstrando que os ongueiros têm projetos para inviabilizar o Brasil. Leiam trechos. Atenção especial para os destaques:
Os motivos, pretensamente nobres, abriram espaço para que surgisse uma verdadeira indústria de demarcação.
Pelas leis atuais, uma comunidade depende apenas de duas coisas para ser considerada indígena ou quilombola: uma declaração de seus integrantes e um laudo antropológico.
A maioria desses laudos é elaborada sem nenhum rigor científico e com claro teor ideológico de uma esquerda que ainda insiste em extinguir o capitalismo, imobilizando terras para a produção.
Alguns relatórios ressuscitaram povos extintos há mais de 300 anos. Outros encontraram etnias em estados da federação nos quais não há registro histórico de que elas tenham vivido lá.
Ou acharam quilombos em regiões que só vieram a abrigar negros depois que a escravatura havia sido abolida.
Nesta reportagem, VEJA apresenta casos nos quais antropólogos, ativistas políticos e religiosos se associaram a agentes públicos para montar processos e criar reservas.
Parte delas destrói perspectivas econômicas de toda uma região, como ocorreu em Peruíbe, no Litoral Sul de São Paulo.
Outras levam as tintas do teatro do absurdo. Exemplo disso é o Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, que englobou uma vila criada em 1907 e pôs seus moradores em situação de despejo.
A solução para mantê-los lá foi declarar a área um quilombo do qual não há registro histórico.
Certas iniciativas são motivadas pela ideia maluca de que o território brasileiro deveria pertencer apenas aos índios, tese refutada pelo Supremo Tribunal Federal.
Há, ainda, os que advogam a criação de reservas indígenas como meio de preservar o ambiente. E há também – ou principalmente – aqueles que, a pretexto de proteger este ou aquele aspecto, querem tão somente faturar.
“Diante desse quadro, é preciso dar um basta imediato nos processos de demarcação”, como já advertiu há quatro anos o antropólogo Mércio Pereira Gomes, ex-presidente da Funai e professor da Universidade Federal Fluminense.
Os laudos antropológicos são encomendados e pagos pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Mas muitos dos antropólogos que os elaboram são arregimentados em organizações não governamentais (ONGs) que sobrevivem do sucesso nas demarcações.
A quantidade de dinheiro que elas recebem está diretamente relacionada ao número de índios ou quilombolas que alegam defender.
Para várias dessas entidades, portanto, criar uma reserva indígena ou um quilombo é uma forma de angariar recursos de outras organizações estrangeiras e mesmo do governo brasileiro.
Não é por outro motivo que apenas a causa indígena já tenha arregimentado 242 ONGs.
Em dez anos, a União repassou para essas entidades 700 milhões de reais.
A terceira maior beneficiária foi o Conselho Indígena de Roraima (CIR).
A instituição foi criada por padres católicos de Roraima com o objetivo de promover a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, um escândalo de proporções literalmente amazônicas.
Instituída em 2005, ela abrange 7,5% do território do estado e significou a destruição de cidades, de lavouras e um ponto final no desenvolvimento do norte de Roraima – que, no total, passou a ter 46% de sua área constituída por reservas indígenas.
Em dez anos, o CIR recebeu nada menos que 88 milhões de reais da União, mais do que a quantia repassada à delegacia da Funai de Roraima no mesmo período.
Não é preciso dizer que a organização nem sequer prestou contas de como gastou esse dinheiro. (…)
Retomo
É isto! Há “antropólogo” ressuscitando tribos extintas. Cidades, para sobreviver, estão tendo de se dizer antigos quilombos.
Os especialistas que fazem laudos trabalham para ONGs, que se querem acima do bem, do mal, do interesse nacional e dos interesses dos brasileiros.
Está na cara que a questão indígena deixou de obedecer ao comando do Estado brasileiro, que é, legalmente, quem encarna os interesses do povo, tanto do indígena — mais ou menos 800 mil pessoas — como do não indígena: 199,2 milhões de pessoas.
Essa gente é poderosa: tem vozes — e eventualmente assalariados — no governo, na imprensa e no próprio PT.
Chegou a hora de fazer uma CPI, sim, para avaliar o trabalho da Funai e de seus antropólogos e para apurar a interferência das ONGs — inclusive no CIMI — na onda de violência que varre as comunidades indígenas.
Fato específico para justificar a comissão não vai faltar. E, de quebra, pode-se incluir também a demarcação de áreas para quilombolas.
Encerro com outro trecho daquela reportagem da VEJA:
“Para se ter uma ideia, em 1995, na localidade de Oriximiná, no Pará, o governo federal reconheceu oficialmente a existência de uma comunidade remanescente de um quilombo – e, assim, concedeu um pedaço de terra aos supostos herdeiros dos supostos escravos que supostamente viviam ali.
Desde então, foram instituídas outras 171 áreas semelhantes em diversas regiões. Em boa parte delas, os critérios usados foram tão arbitrários quanto os que permitiram a explosão de reservas indígenas.”