As surpreendentes mobilizações dos últimos dias podem ser explicadas em dez letras: “Caiu a ficha.”
Não se sabe o que levou a ficha a cair nesse exato momento, mas todos os ingredientes estavam dados.
A maior surpresa foi a surpresa.
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Caiu a ficha de que o Brasil ficou rico sem caminhar para a justiça: chegou a sexta potência econômica, mas continua um dos últimos na ordem da educação mundial.
Também caiu a ficha de que sem educação não há futuro, e de que, por isso, 13 anos depois de criada, a Bolsa Família continua necessária, sem abolir sua necessidade.
Caiu a ficha de que em 20 anos de governos socialdemocratas e dez anos do PT, no poder, ampliamos o consumo privado, mas mantivemos a mesma tragédia nos serviços sociais, nos hospitais públicos e nas escolas públicas.
Caiu a ficha de que o aumento no número de automóveis em nada melhora o transporte, ao contrário, piora o tempo de deslocamento e endividamento das famílias.
Caiu a ficha de que o PIB não está crescendo e se crescesse não melhoraria o bem-estar e a qualidade de vida.
Caiu a ficha de que, no lugar de metrópoles que nos orgulhem, temos “monstrópoles” que nos assustam.
Caiu a ficha do repetido sentimento de que a corrupção não apenas é endêmica, ela é aceita; os corruptos, quando identificados, não são julgados e, se julgados, não são presos e, se presos não devolvem o roubo.
E de que os políticos no poder desprezam as repetidas manifestações de vontade popular.
Caiu ficha de que o povo paga a construção de estádios, mas não pode assistir aos jogos. E de que a Copa não vai trazer benefícios na infraestrutura urbana das cidades-sede, como foi prometido.
Aos que viajam ao exterior, caiu a ficha da péssima qualidade de nossas estradas, aeroportos e transporte público.
Caiu a ficha de que somos um país em guerra civil, onde 100 mil pessoas morrem por ano em assassinato direto ou indireto no trânsito.
Caiu a ficha também de que as mobilizações não precisam mais de partidos que organizem, de jornais que anunciem, de carros de som que conduzam, porque o povo tem o poder des se autoconvocar por meio das mídias sociais.
A praça hoje é do tamanho da rede de internet. E é possível sair das ruas sem parar as manifestações e voltar a marchar a qualquer momento.
Na prática, caiu a ficha de que é fácil fazer guerrilha-cibernética: cada pessoa é capaz de mobilizar milhares de outras de um dia para o outro em qualquer cidade do país.
Mas entre os dirigentes nacionais, ainda não caiu a ficha de que mais de dois milhões de pessoas nas ruas não se contentam com menos do que uma revolução.
Mais de dois milhões não param por apenas 20 centavos nas passagens deônibus. Eles já ouvem as ruas, mas ainda não entendem o idioma da indignação.
Nem caiu a ficha de que só manifestações não bastam.
É preciso fazer uma revolução na estrutura, nos métodos e nas organizações da política no Brasil: definir como eleger os políticos, como eles agirão, como fiscalizá-los e puni-los.