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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

Mais médicos, menos indedências
18/07/2013 - MIGUEL SROUGI*

Não vale mais a pena discutir a vinda de médicos estrangeiros. Proposta falaciosa, destinada ao fracasso. O governo percebeu a indecência e descartou os médicos cubanos. Deu-se conta de que eles aqui atuariam em regime de escravidão, como bem demonstrou Flávia Marrero, da Folha de S. Paulo.

Tampouco vale a pena discorrer sobre os médicos portugueses e espanhóis. Criados com padrão de vida inatingível para a maioria dos brasileiros, nunca se adaptariam aos rincões abandonados e carentes da nação. Teriam que praticar em condições desprovidas de dignidade e sem chance de propiciar vida honrada para si e seus familiares.

Ademais, dificilmente receberíamos profissionais competentes, prósperos em seus países. Sem um exame de competência, para cá viriam muitos médicos desqualificados, desconfio que até alguns insanos ou foragidos.


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Modificando radicalmente o seu discurso, o governo fez novo anúncio: curso de Medicina de oito anos, dois deles dedicados ao trabalho no SUS. Simpatizei inicialmente com a ideia, menos desvairada do que trazer médicos estrangeiros, mais justa com a sociedade, que custeia a formação dos médicos da nação.

Ressabiado com os recentes disparates oficiais, debrucei-me em reflexões e terminei desconsolado.

Esse estágio coercitivo é compatível com a prerrogativa de liberdade, direito inegociável da existência humana?

Será que estagiários inexperientes conseguirão atuar num sistema público devastado pelo descaso e pelos malfeitos e assumir a responsabilidade de resgatar seres para a vida?

Instrutores e professores qualificados aceitarão migrar com suas famílias para os grotões remotos do país, amparando os estagiários? É justo obrigar um médico a estudar 12 ou 13 anos (curso: oito anos, residência: quatro a cinco anos) para poder exercer sua profissão e dar suporte à sua vida e da sua família?

O programa começará em 2015 e os estagiários iniciarão sua prática no SUS em 2021.

Quantos corpos desassistidos sucumbirão até lá, vítimas da ventura sempre prometida e nunca concretizada?

Além dessas imperfeições na nova proposta, incomodaram-me a completa falta de discussão com os seus protagonistas e o ardor incontido com que ela foi apresentada.

Fez-se crer que toda a indecência na saúde deve-se à falta de médicos. Um embuste, já que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda como padrão assistencial ideal 1 médico para cada 1.000 habitantes e no Brasil essa relação atual é de 1,76 médicos para cada 1.000 habitantes.

A realidade é que a saúde da nação está subjugada a um sistema governamental insensível, que vetou em 2011 lei que destinava 10% do Orçamento da União a essa área — a Argentina aplica mais de 20% ao ano em saúde.

Esse é um dos motivos –não a falta de médicos– pelos quais existem 1.200 pacientes aguardando internação para cirurgia no setor de Urologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, cerca de 200 deles com câncer e 140 crianças.

O mesmo motivo impede outros hospitais públicos de cumprirem a sua missão.

Quando um paciente é operado de apendicite, essas instituições gastam cerca de 3.900 reais — e são ressarcidas pelo SUS com 414,62 reais!

Senhora presidente, mais um clamor, respeitoso. Assuma a determinação política de priorizar recursos para as áreas sociais. Atue na saúde com competência e sensatez, não com respostas transloucadas aos gritos indignados da nação. Para que os brasileiros possam vislumbrar o alvorecer com esperança.

E combata com arrojo o grupo de ímprobos e incompetentes instalados no teu entorno.

Sem esquecer o arcebispo Desmond Tutu: “Se ficarmos neutros numa situação de injustiça, teremos escolhido o lado do opressor”.


...

*Miguel Srougi, 66 anos, pós-graduado em Urologia pela Universidade Harvard (Boston), professor titular de Urologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do conselho do Instituto Criança é Vida.

  

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