Déficit de clareza 23/07/2013
- CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Em entrevista ao Estadão deste domingo, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, advertiu que a política fiscal (receitas e despesas do governo) "não é clara".
As decisões de ontem anunciadas pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostram um esforço destinado a aumentar a transparência das contas públicas.
No entanto, o desempenho da política fiscal continua despertando dúvidas, mesmo depois de anunciada e reafirmada a resposta da presidente Dilma às manifestações, constituída de cinco pactos, o primeiro deles o compromisso com um pacto de responsabilidade fiscal.
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O governo Dilma comprometera-se em lei, a observar neste ano um superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) de 3,1% do PIB ou de R$ 155,9 bilhões, com redução prevista de R$ 65, 2 bilhões. Como os resultados apontavam grande distância de objetivo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comprometeu-se, em junho, a cumprir meta de superávit primário equivalente a 2,3% do PIB.
Ontem, esse número foi formalmente mantido, mas pressupõe o crescimento econômico (PIB) para este ano de 3,0%, projeção irrealista diante do fraco desempenho da economia.
Essa variável é crucial. Um PIB mais raquítico implica arrecadação mais baixa. Assim, até mesmo os números revistos e atualizados não são integralmente confiáveis. O ministro Mantega alega que não pode rever para baixo as projeções do PIB "como se muda de roupa". No entanto, ele mesmo já não vinha sustentando essa projeção, admitindo que, em 2013, a economia apenas crescerá mais do que os 0,9% do ano passado.
Mas, se é assim, a revisão das contas públicas ontem divulgada continua apresentando déficit de clareza.
A arrecadação da União obtida em junho, ontem divulgada pela Receita Federal, foi decepcionante. Uma vez descontada a inflação do período, a evolução da receita do mês sobre junho do ano passado foi negativa (-0,99%) e em relação a maio, também (-2,73%). No primeiro semestre, a evolução foi positiva, mas pouco expressiva (+0,49%).
Diante da forte reação da opinião pública aos métodos heterodoxos aplicados sobre o resultado fiscal do ano passado, quando o secretário do Tesouro, Arno Augustin, submeteu os cálculos a critérios espúrios, o governo não parece disposto a repetir as mesmas arbitrariedades contábeis.
No entanto, já se sabe que boa parte dos resultados deste ano só será obtida com receitas atípicas e de qualidade discutível. Será constituída tanto de bônus de assinatura previstos com leilões de concessão agendados para este segundo semestre quanto de dividendos pagos por estatais à custa de injeções do Tesouro que, por sua vez, implicam aumento da dívida pública. Além disso, cortes de despesa de apenas R$ 10 bilhões parecem insuficientes para a obtenção do objetivo desejado. Enfim, a robustez das contas públicas apontada pela presidente Dilma - mas não confirmada pelo Banco Central - não apresenta a necessária firmeza.
Em vez de tentar resgatar a credibilidade para sua política, o governo está mais focado em ganhar tempo com o objetivo aparente de salvar a candidatura da presidente Dilma a um segundo mandato.