Santo de casa 06/10/2013
- ANTERO GRECO - O Estado de S.Paulo
Dias atrás, em mais uma crônica para antologia, Ugo Giorgetti lembrou de técnicos que têm a cara de determinados clubes. Identificam-se de tal maneira, com jogadores e sobretudo com torcedores, que fica difícil imaginá-los a vestir agasalhos de rivais. No futebol de hoje, Muricy é quem se encaixa melhor na definição, mesmo com as agruras que enfrenta para tirar o São Paulo da zona de rebaixamento.
Há, porém, o outro lado, o daqueles que se consagraram como astros em certos times, viveram momentos de fama e alegria quando batiam na bola, e que ali adiante, na volta ao antigo lar, se esborracharam como treinadores. Uma carreira anterior de respeito pode ruir por resultados desastrosos na função de professor.
O Internacional de Porto Alegre se especializou nesse tipo de moagem. Nos últimos tempos, conseguiu pulverizar trajetórias notáveis de Falcão, Fernandão e Dunga como atletas por não suportar os solavancos da equipe sob o comando deles. E os dispensou sem a menor cerimônia, sem um pingo de constrangimento. Boa noite, tchau.
PUBLICIDADE
O Rei de Roma trocou quase duas décadas como comentarista da Globo para encarar o desafio de tocar o Colorado. Pensou que pudesse ser uma espécie de Alex Ferguson no viveiro em que se formou como extraordinário meio-campista. O sonho durou menos de um semestre. Fernandão, na época ainda com cacoetes de jogador recém-aposentado, já era diretor de futebol e resolveu tomar para si a responsabilidade. Um punhado de derrotas depois chegou ao fim seu projeto de grandeza.
A experiência mais recente veio com Dunga. O capitão do tetra passou período sabático de dois anos e tanto, após a eliminação do Brasil no Mundial da África, e saiu da toca só pelo capricho de refazer o caminho da beira do gramado a guiar o clube do coração. Não emplacou e entrou pelo cano anteontem, ao acumular quatro escorregadas em seguida. Sem contra-argumento.
Não são os únicos a amargar demissão inapelável. Os dirigentes, com regularidade, apelam para gente da casa em momentos de apuro, no mínimo para ver que bicho vai dar. Se tudo se ajeitar, respiram aliviados e posam como pais profissionais de técnico promissor - e ainda assim não bancam permanência por longo prazo. Se o barco soçobrar, forçam o astro de ontem a pegar o boné e a irem cantar em outra freguesia.
O São Paulo agiu assim com Rojas, o Palmeiras não deu bola para vitórias de Jorginho em 2009 antes da chegada de Muricy, o Flamengo um monte de vezes recorreu a Carlinhos, sem jamais reconhecer o valor dele. O próprio rubro-negro teve uma fase de bonança com Andrade, que conquistou título, sem nunca ser levado a sério. Exemplos iguais há aos montes.
Chato é que histórias bacanas se perdem nessa mistura de funções. O torcedor tem pavio curto, rapidinho passa da euforia à cobrança e às ofensas, independentemente se no banco está sentado homem que honrou a camisa do clube na mocidade. A situação aperta para o time? Então, azar do treinador, "burro" que tem de pastar.
Bem fez Emerson Leão, que tratou de não atrelar o nome dele ao Palmeiras. Como goleiro, foi dos maiores que vestiram o manto verde. Nem por isso estimulou vínculo ao passar para o lado de cá do gramado. Dirigiu o Palestra algumas vezes, com a mesma autonomia com que comandou uma porção de times pelo Brasil. Caso contrário, estaria perdido. Melhor faz Marcos, que não se deixa seduzir por cantos de sereia a sugerir-lhe aventura nesse terreno. Ele tem consciência de que era santo como goleiro; como treinador embarca na sabedoria do popular "santo de casa não faz milagre".
Alta voltagem
Há duas partidas hoje que pretendo ver com atenção: Atlético-MG x Corinthians e Portuguesa x Santos. O Galo voltou a interessar-se pelo Brasileiro e pega ritmo forte para a disputa do Mundial, como fez o Corinthians em 2012. A Lusa joga a reação e o futuro diante de um adversário instável e tinhoso.