Entusiasmo e realidade 10/10/2013
- Blog de Reinaldo Azevedo
Já escrevi aqui algumas vezes que acho positivo o fato de a estratégia petista de “cara ou coroa” ter sido malsucedida.
Isso, no entanto, não é o suficiente para que eu suspenda o juízo.
É impressionante a frequência com que a crônica política cai nessa esparrela.
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Marina Silva, já escrevi dezenas de vezes, parece transitar numa esfera acima de qualquer análise crítica, de qualquer juízo objetivo.
Tem-se por ela tal respeito reverencial que a primeira vítima acaba sendo a verdade, sempre escamoteada.
Campos, até agora, não tem com quem se coligar, Hoje, contaria, creio, com menos de um minuto e meio no horário eleitoral gratuito. E Marina não lhe agrega nem sequer um segundo.
Ainda que venha a conquistar alguns micropartidos, a situação não se altera muito.
Para ter ao menos três minutos na TV, precisaria de uma composição que juntasse ao menos 100 deputados. Isso, hoje, é impossível.
Marina traz a tal densidade eleitoral -- segundo apontam as pesquisas. Mas já está claro que, em vez de facilitar composições, ela vai dificultá-las.
O episódio do ataque ao deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) aponta, não adianta disfarçar, mais para problemas do que para soluções.
Ela entrou no partido no sábado; na terça, já havia dinamitado a composição em Goiás.
“Ah, o que conta é a aliança estratégica para a Presidência…”
Sim, claro! Ocorre que, num cenário adverso, é justamente o projeto presidencial que começa a ser minado.
Os tucanos sabem que os “marineiros” já andaram olhando torto para a possibilidade de o PSB se alinhar com Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo.
Discute-se até mesmo dar o vice da chapa ao partido.
O palanque do governador tucano será de Aécio Neves ou de José Serra, mas é evidente que Campos abriria uma vereda num Estado onde é um quase desconhecido -- não dos empresários, que simpatizam muito com ele.
Neste exato momento, em vez de colaborar para essa composição, a Rede está criando obstáculos.
O evento hoje formidável pode, pois, acabar num projeto acanhado.
É possível que estejamos diante de um paradoxo complicado: se, por um lado, Marina aumenta a faixa em que transita o pleito do PSB, por outro, acaba estreitando ainda mais as possibilidades de aliança do partido.
E isso se deve ao fato de que a união dos dois grupos é, não cabe outra palavra, oportunista.
Pode-se debater se esse oportunismo é ou não fruto da vontade de cada um. Em tese, não!
Marina contava sair candidata pela Rede, e Campos não esperava a sua companhia já no primeiro turno. Mas ambos escolheram, sim, o passo seguinte, que é bastante exótico.
A natureza da dificuldade
E qual é a natureza da dificuldade?
A Rede é, em muitos aspectos, um partido como qualquer outro. Mas também pretende ser mais do que isso.
Suas crenças, sua visão de mundo, seu universo escatológico, tudo lembra uma religião -- Marina, reparem, não é exatamente tratada como uma líder política, mas como uma profetisa, com vocações demiúrgicas.
Para pertencer à Rede, é preciso receber uma revelação. Candidatos a pertencer à Igreja Marineira têm de passar por um tipo de sabatina para demonstrar que estão purificados.
Não estou brincando, não.
“Ah, os partidos são uma bagunça! Cada uma fala uma coisa. Melhor assim!”
Errado! Nem a bagunça nem a estreiteza sectária servem à democracia.
Política, já ensinou alguém, se faz com convicção, mas também com responsabilidade; se faz com a expressão da vontade, mas também se prende a uma lógica de compromissos e negociações.
Os jacobinos franceses, por exemplo, não negociavam. E saíram cortando cabeças como uns celerados -- até perderem as próprias.
Não sei, não…
Parece que o aspecto virtuoso da aliança se esgotou com impressionante rapidez.
E bem possível que, daqui a pouco, Campos esteja a amargar as dificuldades decorrentes da pureza estreita de Marina.