Uma pauta ousada para o Brasil 24/10/2013
- O Estado de S.Paulo
Para um governo acostumado à gastança e ao remendo contábil, deve parecer inoportuna, ou até absurda, a sugestão de controlar e limitar a despesa, apresentada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em seu novo estudo sobre a economia brasileira, lançado em Brasília pelo secretário-geral da entidade, Angel Gurría.
Mas as contas públicas do Brasil vão bem, o governo tem produzido resultados fiscais consideráveis e a economia volta a crescer puxada pelo investimento, garantiu em entrevista o ministro da Fazenda, Guido Mantega, depois de receber o documento.
Ninguém deve esperar, portanto, uma séria atenção das autoridades federais ao relatório, um dos trabalhos mais amplos, mais fundamentados e mais competentes sobre a economia brasileira divulgados recentemente.
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E a oposição? Se quiser levar a discussão além do varejo, poderá encontrar nas 106 páginas do estudo um bom material para organizar as ideias.
O relatório cobre todos os principais problemas econômicos do País. Os autores mencionam a conquista de posições na classificação das grandes economias e ressaltam avanços na área social. Mas a maior parte da análise resulta em propostas de grandes mudanças para garantir, em primeiro lugar, a credibilidade das políticas monetária e fiscal, pilares da estabilidade macroeconômica. Além de propor um combate mais duro à inflação, para alcançar de uma vez a meta de 4,5%, o estudo sugere a adoção de autonomia para o Banco Central (BC), com atribuição de mandatos fixos a seus diretores - uma ideia sempre recusada pela administração petista.
Outro ponto importante: ninguém, além de representantes do BC, deveria falar sobre política monetária - um recado claro à presidente Dilma Rousseff, ao ministro da Fazenda e a outras figuras do Executivo que dão palpites sobre juros.
A palavra "seriedade" seria um bom resumo para as sugestões sobre como conduzir a política econômica, se os autores do trabalho quisessem ser menos diplomáticos. A adoção de regras e limites para a despesa pública, no lugar das metas de superávit primário, é apenas uma das propostas possíveis para a área fiscal.
Já haveria avanço razoável se o governo renunciasse às manobras da contabilidade criativa, citadas como "medidas contábeis não usuais", e abandonasse as operações "quase fiscais" com bancos públicos - em linguagem menos diplomática, a promiscuidade entre o Tesouro, o BNDES e outras instituições federais. A política também ficaria melhor, segundo o estudo, sem a acumulação de restos a pagar, "multiplicados por dez na última década".
Quanto aos créditos da União contra o BNDES, são menos líquidos que a dívida pública sob responsabilidade do Tesouro, observam os autores, repetindo uma crítica formulada várias vezes no Brasil. Esse detalhe obviamente distorce o cálculo da dívida líquida, porque equipara débitos e créditos de qualidades muito diferentes.
Uma parte ampla do trabalho analisa os fatores limitantes do crescimento, com destaque, naturalmente, para as deficiências da infraestrutura, o baixo nível de investimento e, de modo geral, a perda de produtividade da economia.
Os preços da eletricidade, 50% maiores que a média encontrada em 27 países citados em um estudo de 2012, são importante obstáculo. Mas decisões pontuais, como a redução de impostos e tarifas, tendem a ser menos eficientes que o aumento da competição em licitações com claros objetivos de investimento, alertam os autores do trabalho.
Aumentos salariais maiores que os ganhos de produtividade e a escassez de mão de obra adequada às necessidades da produção também aparecem na lista dos problemas, juntamente com propostas de melhora da estratégia educacional.
Especialistas têm discutido todos esses pontos, no Brasil, mas raramente se encontra um exame tão amplo e tão bem articulado de todas essas questões. Mas esse trabalho terá provavelmente mais repercussão entre técnicos estrangeiros do que nos meios políticos nacionais.