Tesouradas às cegas 08/11/2013
- O Estado de S.Paulo
O governo não apenas gasta mal, o que não é propriamente uma novidade, mas economiza mal - do que pouco se fala.
Um exemplo de falta de critério nos cortes dos dispêndios federais é o da redução do número de vistorias efetuadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) nos municípios que recebem recursos do poder central.
O órgão simplesmente ficou sem dinheiro para bancar o trabalho de seus auditores junto às Prefeituras.
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"A redução orçamentária foi dura e grande", avalia o titular da CGU, ministro Jorge Hage, comentando o contingenciamento da ordem de R$ 17 milhões este ano, ou cerca de 20% do orçamento original de R$ 84 milhões (descontado o pagamento de seus 2.500 servidores).
Trata-se de uma gota d'água na vastidão dos desembolsos federais, o que só deixa patente a irracionalidade da política de aperto de cintos na administração Dilma Rousseff. No caso, equivale a afrouxar os controles do destino dado ao dinheiro público em âmbito local. É assim que a presidente cumpre a promessa de intensificar o combate à corrupção, apresentada como uma de suas principais respostas ao descontentamento popular que irrompeu em todo o País nas jornadas de junho.
A penúria da CGU obrigou-a a reduzir drasticamente o número de municípios escolhidos, por sorteio público, para fiscalização. O sistema foi introduzido pelo então presidente Lula no ano inaugural do seu primeiro mandato. De cada vez, são sorteados lotes de 60 cidades de até 500 mil habitantes, onde os inspetores conferem o papelório das Prefeituras, vistoriam obras e acompanham o andamento dos serviços contratados - e ainda os repasses do Bolsa Família. Em 2003, foram realizados sete sorteios, abrangendo um total de 281 municípios. No ano seguinte, com o mesmo número de sorteios, 400 localidades passaram pelo crivo federal.
Desde então, foram identificados desvios da ordem de R$ 3,8 bilhões, ou 20% dos R$ 19 bilhões transferidos pela União. Até o fim da era Lula, a média anual de cidades checadas foi da ordem de 240. Nos dois primeiros anos do governo Dilma, caiu à metade disso. E este ano, realizado um único sorteio, em março entraram na malha federal não mais de 60 municípios. (Entre 2004 e 2008, também Estados eram fiscalizados, mas a CGU concluiu que, nessa esfera, o sorteio foi uma experiência que não deu certo.)
Embora o controlador-geral Jorge Hage, no cargo há sete anos, diga que, "no global", o combate à corrupção não diminuiu, "porque intensificamos o trabalho de fiscalização nas capitais e na sede, em Brasília", ele admite que "prefeitos estejam se sentindo mais relaxados com a falta de sorteios". Para se ter ideia da esqualidez a que foi reduzido o órgão, Hage bate às portas do Tesouro a fim de descongelar os R$ 17 milhões retidos - não para voltar a operar como nos seus melhores anos, mas para saldar dívidas com empresas terceirizadas de segurança e limpeza, além de reabrir o prédio onde funcionava a sua corregedoria.
Os apuros orçamentários da CGU, aos quais se soma a insuficiência de pessoal - só foram efetivados 250 dos candidatos aprovados em concurso, a metade do que Hage reivindica -, coincidiram, paradoxalmente, com o aumento das atribuições do organismo. Isso resulta da lei de acesso à informação, da lei que pune empresas corruptoras e da lei que estabelece a responsabilidade penal de pessoas jurídicas por atos lesivos à administração pública. As três foram sancionadas no atual governo. Nessa ordem de prioridades, a retomada das auditorias nos municípios fica aparentemente para as calendas.
O caso da CGU está longe de ser uma expressão solitária da irracionalidade das tesouradas federais. Recentemente, noticiou-se que, para cumprir a exigência do Ministério do Planejamento de redução de R$ 48,3 milhões dos seus gastos deste ano, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) poderá paralisar as suas atividades de fiscalização em 17 Estados e dispensar 130 funcionários. Segundo um documento interno do órgão regulador, de começos de outubro, os fiscais foram instruídos a reduzir o número de quilômetros percorridos a cada mês. É o senso gerencial do governo Dilma Rousseff.