Fé em Deus, pé na tábua 06/12/2013
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo
A Copa de 2014 toma forma no começo da tarde de hoje, com a definição dos grupos da primeira fase. Até que enfim, os 32 concorrentes saberão o que os espera na largada pelo título, ou no mínimo por participação decorosa. Não duvido que a festa na Costa do Sauipe seja bacana, tem gente boa a cuidar disso. Nem me surpreenderei com um escorregão aqui, outro ali, um clichê acolá e algo brega adiante. É de praxe ter ao menos uma gafe nesse tipo de cerimônia.
Deu para sentir, pelo relato dos nossos colegas enviados para a Bahia, que a preocupação dos gringos não se restringe apenas ao roteiro que as bolinhas construirão à medida que saírem dos potes. Ansiedade normal, que faz parte da etapa preliminar de competições esportivas de peso.
A rapaziada de fora, sobretudo europeus e norte-americanos, anda assustada mesmo com o estágio das obras nos locais dos jogos - o que inclui estádios, infraestrutura nos entornos, meios de transporte, segurança. Ou seja, aqueles aspectos básicos para que empreitada de tal envergadura transcorra sem maiores sobressaltos. Ainda mais porque houve tempo para cuidar de tudo.
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Não foi por acaso que os estrangeiros castigaram nas perguntas, nos contatos com os mandachuvas de todos os calibres - de Valcke a Blatter, mas especialmente os brasileiros ligados à organização, como Marin, o ministro Aldo Rebelo, Ronaldo Fenômeno e outros menos votados, porém graúdos.
Conheço como a imprensa do Hemisfério Norte nos encara: ou com a benevolência superior do colonizador, condescendente com o esforço folclórico dos colonizados, ou com o nariz empinado e a certeza de que a turma de baixo não aprende mesmo. Raras são as análises isentas de preconceito. Não faltarão matérias manjadas na base de samba, mulatas, futebol, sol, prostituição, violência, carnaval.
Agora, meus amigos, tem o seguinte: damos pano pra manga para esse pessoal reforçar imagens surradas e nos enxergarem como relapsos. Uma passeada por declarações de autoridades domésticas faz arrepiar a careca do Kojak. O presidente da CBF, por exemplo, não abandona o discurso ufanista, com retórica de político, em que se espreme e não sai nada de útil. Ainda por cima, tasca duas vezes Costa do Sauipe que foi de lascar. A moçada de fora provavelmente não pescou a mancada, porque nem sabe falar o nome correto. Pegou mal para o público interno.
Depois, o ministro Rebelo esbanjou em figuras de linguagem pobres e achou que usou de ironia fina para retrucar questões delicadas feitas por representantes da mídia internacional. A comparação do retardamento na construção dos estádios com atrasos de noivas em casamento deixou a gente corada de vergonha. Nada a ver uma coisa com outra: algo como dizer que matrimônios serão nas arenas e os jogos de futebol em igrejas e templos.
Pior foi citar episódios de assaltos em Paris ou Londres para rebater os temores de que por aqui os turistas se sentiriam expostos aos bandidos. Não é a atitude de um ministro de Estado, está mais para discussão de boteco. Deveria ser firme no compromisso do País de garantir a integridade de todos. E fim de conversa.
Bom, se imagina que acabou a série de pisadas na bola de nossos luminares. Engano. Entra em cena Ronaldo, que um dia tentaram vender como homem forte da Copa para segurar a onda do ex da CBF. Pois o Fenômeno minimiza a tensão dos visitantes com a clássica saída simplista de que "o Brasil conta com o jeitinho e que na hora tudo dará certo". (Risos)
Uma coisa é termos agilidade e criatividade para agir diante de imprevistos. Outra é empurrarmos com a barriga algo que já devia estar pronto. Isso é desleixo, inconsequência que leva a acidentes, como o do Itaquerão, e a sobrepreços. A conta será paga pelos de sempre - nós.
A Copa ocorrerá, haverá muita coisa bacana e somos gente simpática. Mas fica chato pra chuchu apostarmos só no fé em Deus e pé na tábua!