País da maquiagem 11/12/2013
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo
O Brasil se amarra numa maquiagem. Somos um povo que adora uma guaribada, um remendo, uma disfarçada. Um quebra-galho, em vez de soluções definitivas.
Retocamos dados sobre investimentos, educação, saúde, trabalho, segurança, violência. No que se imaginar. E pra cima, se for governo; pra baixo, nas contas de oposição.
No esporte, mascaramos deficiências dos times, balanços, obras para Copa do Mundo, Olimpíada -- e também medidas para combater ação de guerrilheiros das arquibancadas.
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Depois da arruaça no estádio de Joinville, no domingo à tarde, veio a enxurrada de pronunciamentos veementes de autoridades civis, militares e eclesiásticas. Fora as promessas disto e daquilo, as manifestações de horror e pesar pelas cenas ultrajantes, sem contar as tentativas de tirar o corpo fora e transferir responsabilidades. Em suma, o lero-lero de sempre, pra fazer um certo barulho e cair na vala comum das boas intenções de araque.
Acha que estou com conversa mole pra boi dormir? Então, confira esta. O Ministério Público do Paraná proibiu uma uniformizada do Atlético-PR de frequentar estádios por seis meses. Nesse período, se um integrante da facção for pego com algum símbolo que caracterize o descumprimento da ordem, haverá multa e advertência.
A medida é tão inócua que representante da organizada saiu da reunião no MP sem nenhuma preocupação. Admitiu que a decisão foi correta e será obedecida. Mas lembrou que nenhum dos sócios deixará de acompanhar o time, à paisana. Isso significa que a turma irá junta, nos mesmos ônibus, e se concentrará nos locais de sempre. E a torcida ainda convocou entrevista coletiva!
Ora, reprimem objetos (camisetas, bumbos, bandeiras, reco-reco, apito), mas não quem os usa. As pessoas é que brigam, se trucidam, agridem. O foco está em gente, que deve responder pelos atos. A resolução pode ter objetivo nobre, mas soa ingênua, tanto que os anjinhos na hora toparam acatá-la.
Lembrei de uma expressão em napolitano que ouço desde pequeno, quando alguém dribla discussão e finge que aceita uma reprimenda: "Farlo fesso e contento" ("Faça-o de bobo e deixe-o feliz"). Para não perder a ocasião, os machões empurram a culpa para os rivais. Se falar com atleticanos, ficará convencido de que foram os vascaínos que atacaram primeiro. E vice-versa.
E a ladainha oficial? O ministro do Esporte acena com criação de delegacias especiais para torcedores, de alinhamento na ação das autoridades responsáveis pela segurança e etc, etc. Isso ouvimos há décadas. A presidente da República lamenta, via Twitter, que cenas como as do final de semana se repitam no país do futebol. A CBF reitera o desejo de ajudar no que for possível para acabar com mau comportamento de torcedores e o recém-criado Bom Senso FC pede tolerância zero.
O que se vê com tanta frequência nas praças esportivas e arredores não é fenômeno que se restringe ao futebol. Os confrontos das gangues em nome de paixão clubística são extensão da violência que nos alarma no dia a dia, em qualquer atividade. Ano a ano temos milhares de mortes por motivos fúteis, por drogas, por alcoolismo, por tentativas de assalto, por latrocínios, por acidentes de trânsito, por violência doméstica.
O futebol não é um mundo à parte. A linguagem que muitos desses rapazes conhecem é a da agressão rotineira, que se manifesta nas mais diversas maneiras e lugares. Não importa se são bem nascidos ou vêm da periferia. Estão impregnados de cultura que banalizou a violência. A vida, deles e dos outros, não vale nada. Então, tanto faz marcar armadilhas nas arquibancadas ou no metrô. No fundo, todos estamos emboscados.
"Eurico Dinamite"
O Vasco teve campanha péssima e caiu por aquilo que não fez no campo. Agora, a diretoria quer reaver os pontos supostamente por irregularidades no jogo com o Furacão. Deprimente. E pensar que saudamos Roberto Dinamite como a antítese de Eurico Miranda.