Dilma e os fatos da vida 12/12/2013
- O Estado de S.Paulo
Fatos da vida podem ser chocantes, mas, com algum cuidado, alguém deveria contar à presidente da República a verdade sobre a meta da inflação: ela é 4,5%, nunca foi alcançada no atual governo e dificilmente será nos próximos dois anos.
Sendo uma pessoa forte, a presidente poderia assimilar o choque rapidamente e em seguida repassar a informação a seu ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Ambos continuam falando -- e isso ocorreu ontem, de novo, no Encontro Nacional da Indústria -- como se o alvo oficial fosse qualquer número até 6,5%, limite superior da escandalosa margem de tolerância adotada no País.
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Os dois apresentaram aos empresários, ao Brasil e ao mundo, como de costume, um país cor-de-rosa, com inflação controlada, contas públicas em ordem, economia saudável e puxada por investimentos e indústria fortalecida por um eficaz programa de desonerações.
Se esse país brilha menos do que poderia, é só por causa da crise internacional e da escassez do crédito ao consumo, as "duas pernas mancas" da economia brasileira, segundo o ministro Mantega.
O ministro e sua chefe insistem no esforço de atribuir os problemas brasileiros principalmente a causas externas, como o baixo crescimento do mercado global e a alta de preços das commodities agrícolas, consequência de uma seca nos Estados Unidos.
Mas as cotações agrícolas já se acomodaram e o nível geral de preços no País continua a subir.
Outros países emergentes têm crescido bem mais que o Brasil, apesar da crise externa, mas o ministro continua discursando como se essa diferença inexistisse.
Além de cor-de-rosa, esse mundo é muito estranho.
A produção teria avançado mais, se o crédito ao consumo tivesse crescido, nos últimos meses, tanto quanto vinha crescendo?
Acreditar nessa tese é insistir em viver no mundo da fantasia.
Em outubro a produção industrial foi 0,6% maior que em setembro, mas a expansão ainda ficou em 1,6% no ano e em 1% em 12 meses.
Não há como atribuir esses números a uma desaceleração do consumo. Da mesma forma, é preciso buscar em outros fatores a explicação dos maus resultados da indústria no comércio exterior.
A questão relevante é: por que a produção industrial brasileira perde espaço dentro e fora do País?
A resposta é conhecida até em Brasília, mas, segundo a presidente e seus ministros, tudo está sendo feito para elevar a produtividade e melhorar o desempenho do setor.
De alguma forma, apesar do discurso tortuoso, a necessidade de mais investimentos é reconhecida pelas autoridades.
A presidente mencionou aos industriais o programa de ampliação e modernização da infraestrutura, além da oferta de recursos para o investimento empresarial.
Mas deixou de mencionar o enorme atraso na implementação do plano de logística, os erros de concepção das licitações e os fracassos na tentativa de elevar a taxa de investimentos.
No ano passado o País investiu 4% menos que em 2011. O aumento esperado para este ano será, na melhor hipótese, pouco mais que suficiente para neutralizar a queda de 2012.
O total investido continuará, quase certamente, inferior a 20% do Produto Interno Bruto (PIB), uma proporção pífia.
Nem as estatais, subordinadas à autoridade presidencial, cumprem seu papel. Até outubro, o Grupo Eletrobrás desembolsou apenas 43% do previsto para o ano.
Em conjunto, as estatais investiram 75% dos R$ 111 bilhões programados. Desde 2006, a média, em dez meses, era de 82,3% da meta do ano.
Confortável em seu mundo de fantasia, o governo tem errado e continua errando em seu diagnóstico dos problemas econômicos.
Insiste em estimular o consumo quando os entraves estão do lado da oferta interna.
Reconhece um tanto obscuramente a necessidade de mais investimento para mais produtividade, mas é incapaz de apontar um rumo aos empresários e de oferecer segurança aos investidores.
No ano passado os juros foram baixos, pelos padrões históricos, mas o investimento caiu. Impossível, para quem tem alguma percepção, desconhecer a inflação elevada, a piora das contas públicas e a maquiagem como instrumento de política.