Conversa vencida 16/12/2013
- J. R. GUZZO - revista Veja
Muito pouca gente deve lembrar de alguma ocasião em que se falou tanto de dois internos do sistema penitenciário nacional como se fala agora de José Dirceu e José Genoino.
Os dois magnatas estavam abaixo só de Deus, no PT -- é natural, assim, que sua condenação no STF por crime de corrupção tenha rendido uma montanha de assuntos para a imprensa, os cidadãos que se manifestam pela internet e todo brasileiro que tem, ou acha que tem, algo a comentar sobre política.
Genoino teve ou não um começo de infarto na prisão da Papuda, em Brasília, em razão do qual foi removido para um hospital? Aliás, existe mesmo isso ─ “começo de infarto”?
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O que José Dirceu tem no currículo profissional que justificasse sua contratação por 20.000 reais por mês para gerir um hotel quatro-estrelas de Brasília -- emprego do qual acabou desistindo?
Haveria alguma relação entre o convite, necessário para que Dirceu possa cumprir sua pena em regime semiaberto, e o dono do hotel, um íntimo amigo do governo petista e próspero beneficiário de concessões de rádio?
Por que o PT chama Genoino e Dirceu de “presos políticos”, mas não diz uma palavra sobre á condenação da banqueira Kátia Rabello ou de Marcos Valério, por exemplo, que receberam penas de prisão muito mais pesadas?
A presidente Dilma Rousseff ficou contrariada, mesmo, com o tratamento diferenciado que os dois têm recebido na Papuda?
Se Genoino é um homem inocente, por que renunciou, na semana passada, a seu mandato de deputado -- estava achando que iria ser cassado pelo plenário?
Muita conversa, como se vê. Mas será que valeria mesmo a pena falar tanto assim desse assunto?
Parece, num exame um pouco mais atento, que se está queimando muita vela para pouco santo.
Começando por Genoino, por exemplo, logo se vê que a viga mestra do debate é o fato de que ele não se beneficiou financeiramente em nada com as traficâncias do mensalão -- é um homem honrado e não enriqueceu no governo.
Estaria provada, já aí, a injustiça da sua condenação. Mas os usuários desse tipo de argumento se recusam a aceitar uma realidade óbvia: nunca esteve em julgamento, em sete anos de processo, a integridade pessoal de Genoino.
O que se julgou foi outra coisa: se ele violou ou não os artigos 288 e 333 do Código Penal brasileiro, que punem os crimes de formação de quadrilha e de corrupção ativa.
Da mesma forma, os movimentos pró-Genoino -- e ele próprio, ao levantar o punho esquerdo para os fotógrafos no momento da prisão, como se estivesse liderando um ato político -- passaram a sustentar que o ex-líder está preso só porque foi presidente do PT.
É o contrário dos fatos: Genoino está preso porque assinou cheques que serviram de base para uma vasta operação de fraude bancária. É a sua assinatura, e de ninguém mais, que está lá.
Gasta-se muito latim, também, com lembranças sobre o passado do chefe petista, como se ele fosse um herói da história brasileira recente.
Mas, quando se sai da biografia e se vai ver a obra, o que aparece?
Na vida como ela é aparece um cidadão que achou possível derrubar o governo do Brasil sem combinar nada com os 90 milhões de brasileiros da época, reunindo meia dúzia de seguidores mal armados, mal treinados e mal comandados num dos cantos mais remotos do território nacional -- o fundão do Araguaia, onde se limitou, o tempo todo, a ficar fugindo da tropa, até seu grupo ser liquidado e ele próprio ser preso.
O objetivo do seu movimento, para completar, era criar uma ditadura no Brasil, em substituição ao regime militar; nada mais distante da realidade do que a fantasia espalhada hoje segundo a qual Genoino foi um combatente da democracia e da liberdade no Brasil.
Dirceu, que também é discutido como um homem importantíssimo, não tem valor maior.
Com 67 anos de idade e uns 45 de militância, passou a vida inteira fazendo tudo para chegar ao poder, por qualquer meio que fosse -- e quando enfim chegou lá, com a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002, mal conseguiu ficar dois anos no governo.
Que gênio político é esse?
Pior: na vida real, ninguém prejudicou tanto a Dirceu quanto o homem que ele tem servido há décadas: o ex-presidente Lula, que o demitiu do seu ministério já em 2005 e sepultou a sua carreira, sem jamais ter dito uma palavra para explicar por que fez isso.
Não foi o ministro Joaquim Barbosa nem a “direita” que botaram Dirceu na rua -- foi Lula.
Se o mensalão não existiu e Dirceu não fez nada de errado, por que o ex-presidente lhe deu esse tiro na testa?
Mistério.
Já venceu, para Genoino e Dirceu, o prazo de validade.