Estão todos certos 30/12/2013
- Paulo Calçade - O Estado de S.Paulo
O ano do futebol termina com uma incrível volta ao passado. Hoje é impossível dizer quantos clubes vão disputar o Brasileirão de 2014. Mais uma vez a bola saltou dos gramados para os tribunais. Apesar de muita gente ainda se espantar com isso, é preciso reconhecer que a competência dos nossos cartolas nos bastidores supera a qualidade de seus times em campo.
Estão todos a defender seus direitos, mas convém não perguntar que direitos são esses. As 38 rodadas disputadas nos gramados rebaixaram o Fluminense, mas apenas duas delas, jogadas no Superior Tribunal de Justiça Desportiva, reconduziram o time à Primeira Divisão.
A complexidade da justiça desportiva se assemelha ao sistema tributário do País. Parece ter sido estruturada para não funcionar mesmo. A guerra em que se transformou o final da temporada é uma vergonha para o futebol.
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As defesas de Portuguesa e de Fluminense reuniram teses convincentes nas rodadas do STJD, durante as férias dos jogadores. A primeira delas, e mais óbvia, é que o time paulista cometeu um erro gravíssimo, absurdo para um clube de Primeira Divisão e, portanto, deve ser punido.
O conjunto de normas da justiça desportiva, porém, enfatiza que o entendimento do contexto em que o erro foi cometido é um pilar essencial para a análise do caso. Não seria nenhuma aberração se a Portuguesa tivesse recebido outra punição e o resultado do campo preservado. Dessa forma, o Fluminense ficaria como terminou, rebaixado. Há gente muito séria nos dois lados da disputa.
Outra boa tese é que, de acordo com o Estatuto do Torcedor, legislação federal, não haveria impedimento para a utilização do meia Héverton, pivô do caso, na partida contra o Grêmio. Hierarquicamente superior ao CBJD, que reúne as normas usadas pelo STJD, ele diz que as decisões da justiça desportiva não têm validade enquanto não forem publicadas no site da CBF.
E não foram publicadas, pois a entidade acredita não ter responsabilidade nisso. Sob esse ponto de vista, então, se as bases das novas demandas forem exclusivamente técnicas, sem o ajuste do erro ao seu contexto, é bem possível que a Lusa reconquiste seu lugar na elite do futebol nacional nos tribunais de verdade.
Definir a instância máxima da justiça desportiva como tribunal parece exagero, pelo menos depois do que vimos e ouvimos na sexta-feira. O espetáculo grotesco, proporcionado pelo recurso da Portuguesa e todo esse imbróglio, reforça a necessidade de uma reforma urgente no sistema jurídico do esporte brasileiro.
A complexidade do conjunto de normas e suas interpretações abastecem a guerra de apelações e a sensação de que, no Brasil, sempre existe um jeitinho. Não é possível tocar o futebol dentro desses parâmetros, em que todos estão certos.
O ano termina, o Campeonato Brasileiro continua. Como aconteceu em 2000, a probabilidade de ocorrer uma nova Copa João Havelange é imensa, com quatro módulos, 116 times de três divisões e 1065 partidas.
No ano da Copa, em que deveríamos aproveitar os estádios mais caros da história dos Mundiais para dar um salto de qualidade, voltamos algumas casas nesse jogo em que muitos ainda insistem em dizer que somos os melhores.
É muito difícil exercitar a esperança no futebol brasileiro. Da CBF e de suas federações não se pode esperar nada. Os clubes não conseguem dimensionar o tamanho da oportunidade que têm nas mãos, enquanto o governo acompanha tudo à distância e só aparece em cena quando espertinhos o acionam para apresentar a conta do rombo causado pelos cartolas.
A saída talvez esteja com as empresas que colocam dinheiro no futebol. Elas já perceberam que a salvação é exigir práticas administrativas transparentes, capazes de mudar o negócio de patamar por aqui.