Se houve um tema predominante na América Latina em 2013, foi o naufrágio das ilusões óticas. Da guerra às drogas no México, que matou 60 mil e segue sem trégua, ao Mercosul, que se encorpou com a entrada da Venezuela e definhou como pacto de integração regional, o ano velho foi-se e levou a soberba.
No Chile, o presidente-empresário Sebastián Piñera trombou com universitários em revolta contra o preço "mercantilizado" do diploma. Bom executivo, Piñera tratou de administrá-los. Em vez de modernizar a política, saiu do palácio com economia forte e impopularidade recorde. Foi a deixa para o retorno da socialista Michelle Bachelet, que prometeu adestrar o capitalismo chileno. Adestrar o Congresso, onde tem a vantagem mas não o domínio, e seus partidários mais radicais será o primeiro desafio. Atenção às ruas em 2014.
Quem apostou na maré vermelha no Peru se deu mal. Para eleger-se, Ollanta Humala derrotou a esperança da direita, Keiko Fujimori, e acendeu as da esquerda andina. Chegou ao poder com currículo de golpista e pecha de nacionalista. Em vez do populismo, ergueu a bandeira da sobriedade fiscal. Saudou o capital estrangeiro e colheu investimentos polpudos. A economia cresceu 5% em 2013 - mais que o dobro do Brasil. A guinada centrista agradou os investidores mas frustrou sindicalistas e aliados da esquerda intelectual, que debandaram do governo. Seu prestígio tombou quando o chefe de polícia foi flagrado em um esquema de proteção paralelo. Com o preço de commodities em queda e a desigualdade social em alta (apesar da queda recorde da pobreza), Humala amarga a pior taxa de aprovação do seu mandato: 22%. Segue à risca o script de vários presidentes, que riscaram políticas certas por linhas tortas. Hoje tropeça enquanto fatura aplausos. O novo ano pode ser duro nos Andes.
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Que o diga Nicolás Maduro. A longa agonia e morte de seu padrinho, Hugo Chávez, privou os venezuelanos de seu beato. Mas também os livrou da lorota bolivariana de que apagões, falta de papel higiênico, inflação febril e surto de violência fossem obra do imperialismo, senão o pedágio para alcançar o socialismo do novo século.
Maduro bem que tenta reeditar os chavões do comandante mas, sem a lábia ou a empatia de seu mentor, não consegue comover os compatriotas à espera da redenção prometida. A aprovação de governo Maduro não para de cair. Não o suficiente para enxotá-lo do poder, é verdade. Mas o domínio do bolivarianismo deve-se menos ao encanto "rojo rojito" (vermelho, vermelhinho) dos eleitores que à síndrome de Estocolmo. Melhor o velho governo algoz, que pinga petrodólares em contas carentes, do que uma oposição inexperiente e desconhecida. Só que a acomodação política não se compra fiado. Um dia a conta chega. Será em 2014?
Na Argentina, já chegou. Cristina Kirchner ascendeu ao governo de salto Christian Louboutin, solando. Para consolidar seu poder, nacionalizou empresas estrangeiras e encurralou os agricultores, impondo-lhes impostos salgados. Desabasteceu os supermercados e esvaziou as panelas da classe média, que as levou para a rua. Não se comoveu com o ritmo dos panelaços, nem da inflação. Mandou suavizar os preços com índices camaradas. Quando a imprensa relatou índices independentes, ela respondeu com mordaça. Foi longe demais. Perdeu assentos cruciais no Congresso e governos municipais, afastou aliados peronistas e fracassou na ofensiva para mudar a Constituição e concorrer ao terceiro mandato.
Antes tagarela, hoje Cristina guarda silêncio total. Está de repouso no sul do país, onde ainda goza de prestígio. Lá, cientistas argentinos acabaram de batizar a Tympanoctomys kirchnerorum. É uma nova espécie de rato, conhecido por seus poderes de adaptação e a capacidade de sobreviver em ambientes extremos. É um bom mascote latino para 2014.
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*Mac Margolis é colunista do "Estado", correspondente do site The Daily Beast e edita o site www.brazilinfocus.com.