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O OUTRO LADO DA NOTÍCIA

A mão pesada da presidente
07/01/2014 - O Estado de S.Paulo

Na véspera do Natal, quando o País todo estava olhando para o outro lado, a presidente Dilma Rousseff deu um presentaço a si mesma -- e, de quebra, aos grandes grupos que fazem negócios com o setor federal.

Eliminou sumariamente da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2014, sancionada naquele dia, as referências de preços que há 14 anos figuravam no seu texto, como parâmetros para a contratação de obras rodoviárias e de construção civil.

O assunto é árido, mas poucos hão de ser mais importantes quando estão em jogo as normas de controle dos gastos em infraestrutura do Estado nacional.


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Eis por que se faz necessário detalhar a história do que outra coisa não é senão uma demonstração da falta de limites da presidente -- motivada, em derradeira análise, pelo desastre administrativo que é a marca de seu mandato.

Em regra, quando o Executivo define projetos nas áreas citadas, o seu custo é calculado segundo dois parâmetros.

Um é o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi), com base em valores verificados mês a mês em âmbito nacional.

Outro é o Sistema de Custos Referenciais de Obras Rodoviárias (Sicro) atualizado a cada dois meses. Essas tabelas são a primeira linha de defesa contra o sobrepreço das empreitadas.

No governo Lula e nos anos anteriores do período Dilma, o Planalto tentou removê-las da LDO, mas recuou diante das resistências parlamentares.

Mas, em abril passado, ao apresentar a sua proposta orçamentária para este ano, a presidente não apenas deixou de nela incluir os mencionados parâmetros, como, pior ainda, os alojou em um decreto.

Pior ainda porque, se ela realmente quisesse "perenizar", no jargão oficial, as referências -- a LDO, afinal, muda de ano para ano --, poderia fazê-lo mediante projeto de lei.

Mas, a intenção era outra, obviamente: afrouxar o controle dos gastos com obras, mediante mudanças que os decretos presidenciais proporcionam aos seus signatários.

Dito de outro modo, a pretexto de superar a transitoriedade dos Orçamentos, Dilma degradou em decreto o que estava no bojo de uma Lei Complementar, como a LDO -- o mais alto instrumento legal do País, abaixo apenas da Constituição e que exige maioria qualificada para passar no Congresso.

Pois bem, quando a expurgada LDO de 2014 passou a tramitar, os parlamentares nela repuseram o conteúdo suprimido.

E foi isso que a presidente vetou em 24 de dezembro, como se colocasse na árvore de Natal do gabinete um regalo inestimável para as empreiteiras que de há muito pressionam pela flexibilização dos parâmetros de referência do custo de obras.

Essa é uma possibilidade objetiva criada pelos vetos, ainda que a intenção de Dilma tenha sido, com toda a certeza, expandir o seu poder pessoal, no bojo de uma desesperada tentativa de atribuir a terceiros -- no caso, o Parlamento -- o notório fracasso de sua gestão.

Não é a primeira vez que ela tenta remediar o irremediável neste governo aparelhado e, por isso mesmo, destituído de capacidade administrativa. Foi o caso do esperto Regime Diferenciado de Contratações (RDC) que conseguiu aprovar no Congresso em 2011, alegadamente para desburocratizar a execução das obras para a Copa e os Jogos Olímpicos.

Não é preciso ser presidente da Fifa ou do Comitê Olímpico Internacional para saber a quantas desanda a infraestrutura para as competições.

O sistema -- um drible na Lei de Licitações -- acabou sendo estendido para as obras do SUS e o PAC. Fez pouca ou nenhuma diferença para o programa. É o que não se cansam de mostrar os levantamentos independentes sobre o seu desempenho.

Os vetos natalinos de Dilma, que deixaram o campo completamente entregue às implicações do decreto de abril, inquietam o Tribunal de Contas da União (TCU).

O seu presidente, Augusto Nardes, compara a peça a uma portaria "que eu aprovo e, a qualquer momento posso modificar".

Ao contrário do que quer fazer crer o Planalto, o fato de serem complexos os índices que nela foram abrigados não os torna imunes à mão pesada da chefe do governo.

Quem pode o mais, pode o menos, ensina o ditado. E o mais ela já fez, com característica soberba -- para não falar em descaramento.


  

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