A crise argentina 25/01/2014
- O Estado de S.Paulo
Tendo garantido, há oito meses, que um dos princípios de sua política econômica era "cuidar do valor da moeda" e, por isso, aconselhava os que pretendiam se enriquecer à custa da desvalorização do peso a "esperar outro governo", a presidente argentina, Cristina Kirchner, nada teve a declarar nos últimos dias. Seu governo não terminou, mas o peso se desvalorizou vertiginosamente.
A queda na quinta-feira foi a maior desde 2002, quando a Argentina estava mergulhada numa grave crise financeira e política. Só em janeiro, a desvalorização é de mais de 20%. Uma discreta intervenção do Banco Central no mercado oficial de câmbio evitou que a cotação do dólar ficasse acima de 8 pesos.
Numa variação que vem sendo interpretada como a medida da desconfiança com relação à política econômica do governo argentino, a desvalorização do peso no mercado paralelo já era muito forte e acabou chegando ao mercado oficial, diante da reação quase complacente do Banco Central à alta do dólar nos últimos dias.
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Como a economia, o governo está em crise e sem apoio popular. Pesquisas recentes mostram que dois terços da população não apoiam a gestão de Cristina Kirchner. Sobre as medidas tomadas pelo governo no ano passado, mais de 90% consideram ruins as ações para conter a inflação e 71% acham que os acordos de preços negociados com supermercados e produtores não tiveram eficácia. Entre os problemas que o governo deveria solucionar rapidamente, 60% apontaram os ligados à segurança, 38,8% citaram a inflação e 31,5% lembraram o desemprego. A esses, poderiam ser acrescentados outros, como a precariedade da infraestrutura de transportes, especialmente na região metropolitana de Buenos Aires, e de energia. A qualidade de vida no país piorou nos últimos anos.
À falta de uma política confiável de combate à inflação, sem saber como ficará a política cambial e com as indicações de desaceleração da atividade econômica, os argentinos passaram a comprar dólares no mercado paralelo - pois as operações no mercado oficial continuam controladas pelo governo, justamente para evitar que a população forme uma poupança em dólares. Mas a alta tornou-se inevitável.
O governo Kirchner vinha tentando controlar a desvalorização do peso, por meio de uma política não declarada de pequenas desvalorizações e de medidas para reduzir a demanda por dólar, como a limitação de compras no exterior com cartão de crédito e de compra de passagens e pacotes turísticos. Em boa medida, a forte desvalorização do peso nos últimos dias se deveu a decisões desse tipo.
Na quarta-feira (22/1), o governo impôs mais restrições às aquisições no exterior pela internet, limitando as compras a duas operações anuais por pessoa, com taxação de 50% do valor da transação para compras de valor superior a US$ 25. Na véspera, o governo tinha condicionado toda compra no exterior à apresentação antecipada, pelo comprador, de declaração juramentada à Administração Federal de Rendas Públicas, equivalente à Receita Federal do Brasil.
A política de "cerco ao câmbio", como ficou conhecida desde seu início em 2011, não foi suficiente para evitar a corrosão das reservas cambiais, que diminuíram de US$ 46,7 bilhões em janeiro de 2012 para cerca de US$ 29 bilhões no encerramento do mercado na quinta-feira passada. Sem poder dar respostas concretas aos que, prudentemente, buscam proteger seu patrimônio da corrosão inflacionária, o governo insiste em acusar os compradores de dólar de especuladores que querem pressionar a administração Kirchner e de criminosos que procuram lavar o dinheiro do narcotráfico.
Depois da forte desvalorização do peso, porém, o governo anunciou a liberação da compra de dólares por pessoas físicas que tenham declarado renda suficiente para isso e a redução de 35% para 20% da alíquota do tributo cobrado sobre saques com cartões no exterior, com o que aliviou um pouco a pressão sobre o peso. Mas ele ainda precisa mostrar políticas eficazes de combate à inflação, se não quiser alimentar a ansiedade da população pelo novo governo.