A piora das contas públicas 01/02/2014
- O Estado de S.Paulo
Sem grande esforço, o governo conseguiu piorar suas contas, gastar um dinheirão com incentivos fiscais e chegar ao terceiro aniversário com indústria ainda estagnada, inflação maior que a do ano anterior e perspectiva de resultados medíocres em 2014.
Mas o balanço fiscal ainda teria sido mais fraco sem a grande contribuição de receitas extraordinárias, como os R$ 22,07 bilhões obtidos com as concessões no setor de infraestrutura e os R$ 21,79 bilhões coletados com o novo Refis, o programa de refinanciamento de dívidas tributárias.
Só a soma desses dois itens -- R$ 43,86 bilhões -- corresponde a 56,9% do superávit primário de R$ 77,07 bilhões anunciado na sexta-feira pelo governo central e apresentado pelo secretário do Tesouro, Arno Augustin, como um resultado "importante".
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Em 2012 o governo central havia conseguido R$ 88,26 bilhões de superávit primário, dinheiro destinado ao pagamento de uma parte dos juros da dívida pública -- só uma parte, porque sempre sobra uma boa fatia dos compromissos financeiros do ano.
Mas o resultado de 2012, embora oficialmente superior ao do ano passado, foi obtido graças a uma porção de malabarismos. Os truques ficaram conhecidos internacionalmente como "contabilidade criativa".
O pífio saldo primário do governo central -- Tesouro, Previdência e Banco Central (BC) -- resultou da combinação de três fatores: a gastança de sempre, o baixo crescimento econômico e o desperdício representado pela maior parte dos R$ 77,8 bilhões de incentivos fiscais.
Grande parcela desse dinheiro serviu somente para impulsionar o consumo e favorecer alguns segmentos industriais, mas o efeito global foi insignificante.
A expansão da oferta foi insuficiente para atender os consumidores, parte da procura foi coberta com aumento de importações e, além disso, houve aumento de preços.
A indústria nacional, com baixo investimento e custos muito altos, continuou incapaz de competir com os produtores estrangeiros fora e dentro do País.
Com o fiasco dos incentivos, o Tesouro acumulou dois problemas - o baixo crescimento, o desafio original, e o derivado, a perda representada pelas desonerações inúteis.
Quanto à gastança, seguiu o padrão conhecido. A receita líquida do governo central foi 12,5% maior que a de 2012, mas a despesa cresceu 13,6%, segundo o Tesouro.
O resultado geral do setor público -- governo central, governos de Estados e municípios e estatais -- também foi ruim. Os números da União são um pouco diferentes dos apresentados pelo Tesouro, por causa dos critérios de cálculo.
O BC, responsável pelo relatório consolidado, calcula o resultado pelas necessidades de financiamento, sem levar em conta apenas a diferença entre receitas e despesas primárias.
Pelas contas do BC, o superávit primário do setor público atingiu R$ 91,3 bilhões, ou 1,9% do PIB.
No ano anterior, havia chegado a R$ 105 bilhões, ou 2,39% do produto. Foi, em termos porcentuais, o pior resultado da série iniciada em 2001.
Pelas mesmas contas, o saldo primário do governo central ficou em R$ 75,3 bilhões, ou 1,57% do PIB estimado.
São resultados bem inferiores àqueles programados inicialmente pelo governo federal. A meta foi reduzida gradualmente, com descontos de investimentos e de desonerações, e finalmente o Ministério da Fazenda só se comprometeu com o resultado previsto para o governo central. Esse resultado, de R$ 73 bilhões, foi afinal superado, mas somente graças a receitas extraordinárias.
O governo federal só vai fixar em fevereiro a meta fiscal deste ano e, como preparação, representantes do Ministério da Fazenda estão consultando especialistas do mercado. A decisão final caberá à presidente Dilma Rousseff.
Certamente ela tentará combinar os critérios das agências de classificação de crédito (há o risco de rebaixamento da nota do Brasil) e as conveniências eleitorais. Além disso, terá de dar atenção às novas condições do financiamento internacional, afetadas pelo aperto da política monetária americana. Mas uma guinada para a austeridade será uma surpresa.
Sem essa mudança, o BC continuará cuidando sozinho do combate à inflação e será difícil evitar novas altas de juros.