Reencena-se, em Brasília, a lamentável pantomima pós-apagão.
Sem se explicar por deixar milhões de pessoas de 13 Estados sem luz, a chefia do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não exclui a hipótese do raio como causa. Ato contínuo, a presidente da República manda dizer que, se raio houve, o órgão falhou por não garantir a proteção da rede.
Dilma Rousseff pode, o quanto quiser, tentar passar adiante a responsabilidade pelo incidente, mas a conta da falta de luz -- no caso de novos apagões neste ano -- será sua. Ela comanda o setor elétrico há uma década, afinal.
PUBLICIDADE
Se a própria presidente faz pouco caso da descarga atmosférica, convém considerar explicações bem mais preocupantes: desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda de energia, o que reviveria o fantasma do racionamento, ou crescente instabilidade do Sistema Interligado Nacional (SIN).
O descasamento mais grave entre oferta e demanda parece descartado, ou ao menos assim se esforça o governo por fazer parecer. A capacidade instalada de geração no país soma 127 mil megawatts (MW), em princípio suficiente para enfrentar picos de consumo.
Capacidade instalada não se confunde com a energia produzida a cada momento, mas é consenso que o sistema de geração opera com folga aceitável. O problema estaria nas linhas de transmissão.
A falha ocorreu justamente na linha que leva para o sul energia da região Norte, onde reservatórios como o de Tucuruí estão mais cheios que os do Sudeste/Centro-Oeste, castigados pela seca.
Deu-se o apagão minutos após o recorde de consumo, às 14h de terça-feira, indício de que se trabalha com margem de segurança estreita -- e o próprio ONS admite que alguma economia de energia seria bem-vinda para aumentá-la.
Não é de hoje que especialistas lançam alertas sobre deficiências na infraestrutura de transmissão. Mais de dois terços das linhas em construção sofrem atrasos (média de 13,5 meses). Suspeita-se que, diante das incertezas criadas no setor pelo governo, os operadores estejam investindo o mínimo possível na manutenção do sistema.
Este é o espectro que mais assombra o fornecimento de eletricidade no país: ao forçar uma baixa de tarifas, com finalidade eleitoral, no momento em que os custos de geração iam em alta pela necessidade de acionar as dispendiosas usinas termelétricas, Dilma Rousseff adicionou turbulência a um setor já estressado pela pior média de chuvas em 60 anos.
Se o cenário traumático de um racionamento parece afastado, o mesmo não se pode dizer de uma sequência de apagões, mesmo que curtos e localizados, ou de um aumento nas tarifas.
Caso as chuvas não venham logo, a presidente terá de incluir em suas previsões do clima para outubro a chance de alguns raios em céu azul.