Mercosul com cara de organização criminosa 19/02/2014
- Blog de Augusto Nunes - Veja.com
Às vésperas da sessão de abertura, o presidente venezuelano Nicolás Maduro amparou-se na cirurgia a que foi submetida Cristina Kirchner para adiar por um mês a reunião de cúpula do Mercosul que começaria no dia 17 de dezembro, em Caracas.
Em 5 de janeiro, invocando a necessidade de preservar a saúde da colega argentina, o herdeiro de Hugo Chávez resolveu transferir o início do encontro para o último dia do mês.
Em 16 de janeiro, misteriosos “problemas de agenda” serviram de pretexto para o terceiro adiamento. E a celebração bolivariana ficou para “meados de fevereiro”.
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Como fevereiro vai chegando ao fim, é certo que vem aí o quarto adiamento.
O encontro dos sócios do bloco econômico mais raquítico do mundo será provavelmente transferido para março.
É possível que fique para quando Deus quiser, avisam os desdobramentos da crise venezuelana e os indícios veementes de que os quatro parceiros de Maduro querem distância de Caracas.
Fazem muito bem, concordam as cenas perturbadoras agrupadas no vídeo gravado durante os protestos da última quinta-feira, dia 13) que registram a gigantesca manifestação promovida na terça-feira.
Um comunicado divulgado no domingo pelo Ministério das Relações Exteriores da Venezuela atesta que a turma do Mercosul decidiu defender o chefe de um governo em decomposição -- mas à distância e por escrito.
No texto cuja autoria foi atribuída por muita gente ao sucessor do bolívar de hospício, “os Estados membros do Mercosul, diante dos recentes atos violentos na irmã República Bolivariana da Venezuela e as tentativas de desestabilizar a ordem democrática, repudiam todo tipo de violência e intolerância que busquem atentar contra a democracia e suas instituições, qualquer que seja sua origem“.
E a prisão do líder oposicionista Leopoldo Lopez?
E os ataques abjetos à deputada Maria Corina Machado?
E os manifestantes assassinados com tiros na cabeça?
O documento que tenta socorrer o companheiro em apuros não perdeu tempo com tais detalhes, comprova o palavrório que conclui o monumento ao cinismo:
“Os Estados membros reiteram seu compromisso com a plena vigência das instituições democráticas e, neste contexto, rejeitam as ações criminosas de grupos violentos que querem espalhar a intolerância e o ódio na República Bolivariana da Venezuela como uma ferramenta política. Expressam seu mais forte rechaço às ameaças de ruptura da ordem democrática legitimamente constituída pelo voto popular e reiteram a sua posição firme na defesa e preservação das instituições democráticas, de acordo com o Protocolo de Ushuaia sobre compromisso democrático no Mercosul (1998)”.
“Sugerem que as partes a continuem a aprofundar o diálogo sobre as questões nacionais, dentro do quadro das instituições democráticas e do Estado de direito, como tem sido promovido pelo presidente Nicolás Maduro nas últimas semanas, com todos os setores da sociedade, incluindo parlamentares, prefeitos e governadores de todos os partidos políticos representados. Finalmente, expressam suas sinceras condolências às famílias das vítimas fatais, resultado dos graves distúrbios causados, e confiam totalmente que o governo venezuelano não descansará no esforço para manter a paz e plenas garantias para todos os cidadãos”.
Os cinco patetas que pilotam o naufrágio do Mercosul acabam de consumar a dez mãos uma proeza e tanto.
Pela primeira vez, uma declaração conjunta foi aprovada sem que se perdesse tempo com reuniões, debates, sugestões de acréscimos, propostas de cortes e outras miudezas.
Pela primeira vez, não aparece uma única e escassa assinatura sob o texto que expõe pontos de vista e argumentos avalizados por vários países.
Pela primeira vez, foram promovidos a segredos de Estado o nome do redator, a identidade dos envolvidos nos trabalhos de parto e o local de nascimento da peça histórica.
A gestação do documento reforça a suspeita de que o Mercosul caiu na clandestinidade e começou a agir nas sombras.
Pelo prontuário dos parceiros, ninguém ficará surpreso se, daqui a pouco, a entidade se transformar em mais uma organização criminosa.