Apito nervoso 24/02/2014
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo
Não costumo votar em branco em nada, nem para síndico do prédio. Abro exceção no quesito "melhor árbitro do ano", ao responder à tradicionalíssima enquete do Estado para os destaques no esporte, no final de cada temporada. Há muito tempo deixo o espaço vazio.
Nenhuma prevenção contra os apitadores -- a função deles faz parte do futebol. Mas deveriam passar batidos, despercebidos, como os roupeiros, os maqueiros, os porteiros, o moço do placar, o baleiro. Juiz bom nem se nota no jogo.
Quando, em determinado momento de uma partida, a gente se preocupa em saber o nome de sua Senhoria -- e, pior, dos auxiliares --, é porque algo não vai bem. Há erro, se o foco sofre desvio irregular e sai dos jogadores e respectivos dribles, gols, falhas, para cair nas assopradas de apito ou no agitar das bandeirinhas. Contrassenso, atraso de vida, pois são personagens secundários. Inversão de valores.
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A entortada na razão ocorreu, neste domingo, no clássico que São Paulo e Santos fizeram à tarde, no Morumbi. E, logo depois, no Botafogo x Palmeiras, em Ribeirão Preto. Nos dois casos, as decisões dos "homens de preto" sobressaíram mais do que os atletas.
Com menos de dez minutos, dei espiada na Edição de Esportes para me informar que o destino do San-São estava nas mãos de Marcelo Aparecido de Souza. Ele desandou a distribuir amarelos para cada dividida mais forte, secundado por comentários elogiosos de ex-colegas, hoje na tevê, que veem como necessário manter "o controle do jogo".
Depois, fui obrigado a procurar a graça de um dos juízes assistentes, apelido moderno e pomposo para os bandeirinhas, e descobri que se tratava de Marcelo também, com sobrenome de Van Gasse. O rapaz, consta, nos representará na Copa: deve ter qualidade. Se bem que o "padrão Fifa" em arbitragens seja um bocado questionável...
Pois abortou dois lances de perigo do São Paulo, na primeira fase, que doeram. Um, ao dar impedimento de Luis Fabiano; outro, em arrancada de Osvaldo em que a bola não saiu para a lateral. E o Osvaldo ainda tomou advertência, por chutar a bola longe. Azarado.
A dupla de xarás Marcelo e Marcelo voltou a aparecer de maneira decisiva, já quase no final do encontro. O Marcelo bandeira salvou a pele do Marcelo árbitro ao assinalar corretamente impedimento de Rildo, do Santos, num lance em que foi derrubado por Paulo Miranda. O Marcelo juiz deu pênalti e só voltou atrás depois de falar com o Marcelo bandeira. Seria mancada e tanto.
Noves fora um impedimento chorado aqui, um lance duvidoso ali (Rodrigo Caio em cima de Rildo, na área), houve equilíbrio, de parte a parte. O Santos começou melhor, quase fica em vantagem em reposição errada de Rogério Ceni. O São Paulo, com o tempo, se ajustou, pressionou e foi para o intervalo com superioridade na iniciativa.
Muricy surpreendeu todo mundo, ao deixar Ganso no banco e ao apostar em Pabón como armador. O colombiano movimentou-se bem, abriu espaço, procurou servir Luis Fabiano e Osvaldo, ambos participativos e velozes. Souza, Rodrigo Caio e Maicon se encarregaram da marcação.
Ganso entrou só nos últimos 20 minutos e nem se percebeu. Eis aí outra anomalia. Ao contrário da arbitragem, ele tem a obrigação de chamar a atenção, é o camisa 10. Como deveria acontecer com Cícero, apagado e bem marcado no Santos. Por extensão, Leandro Damião e Thiago Ribeiro também ficaram isolados. Rogério Ceni e Aranha cumpriram a parte deles, com boas defesas.
O domingo especial dos árbitros bateu ponto também no estádio do Botafogo. Robério Pereira Pires deu força no resultado, ao marcar pênaltis inexistentes, um para cada lado, no primeiro tempo. Pelo menos foi coerente: interpretou da mesma maneira jogadas iguais, e normais.
Anormal foi o Palmeiras. Com vários desfalques, perdido, com Bruno César nervoso (entrou no segundo tempo e foi expulso), esteve irreconhecível, se enroscou, caiu por 3 a 1 e viu a invencibilidade virar fumaça.