Imagina depois da Copa 03/03/2014
- Antero Greco - O Estado de S.Paulo
Torço para que a Copa seja bem bacana. Não por simpatia por CBF, Fifa, Comitê Organizador e respectivos cartolas, nem por governo.
Devemos cobrar desse pessoal seriedade, eficiência e transparência. Enfim, obrigações deles pelos cargos que ocupam.
Desejo que tudo fique bonito por amor ao futebol e pelo apreço que tenho pela autoestima de nossa gente.
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Exercício complicado esse de manter fio de esperança no sucesso, a despeito da arraigada vocação que temos para a esculhambação.
Há dose maciça de rótulo e estereótipo no papo de jogo de cintura do brasileiro e apelo ao improviso. Como há muito de verdade -- o que é chato para chuchu em certas situações. Cansa isso de largar tudo para o que Deus quiser.
Veja o caso dos estádios. Novos, bonitos, confortáveis, a maioria com a sensação de que são iguais por dentro. E caros, muito.
Gastou-se grana de fazer inveja aos imponentes monumentos que os romanos erguiam para celebrar a glória das conquistas.
Em alguns dos centros esportivos nacionais, por aquilo que se pagou, fica a impressão de que se consumiu mais pedra do que as grandes pirâmides do Egito.
O otimista pode argumentar: "Oba, esses campos vão durar milênios." No mínimo, serão comparados, no futuro, ao Coliseu.
Pensou que chique: historiadores, arqueólogos, homens de ciência, vão debruçar-se sobre Maracanã, Mineirão, Itaquerão, Arena das Dunas, Arena Amazônia, Arena Pantanal e sei lá que raio de arena mais (nomezinho antipático esse) e descobrir os segredos das odes ao desporto do século 21.
Espera aí: o Anfiteatro Flávio (o Coliseu, de Roma), foi inaugurado no ano 80 da era cristã. E aguentou o tranco do tempo, das guerras, das invasões, das depredações. Se os italianos não fossem um tanto relaxados, as condições do monumento seriam melhores.
E os estádios que acabamos de erguer aguentarão o desgaste dos séculos?
No Mineirão, novo em folha, três pedaços de calha voaram, no sábado, durante vendaval e chuva. Acidente passível de ocorrer diante da força da natureza.
Amigos lembraram que fato semelhante ocorreu no Estádio da Luz, em Lisboa, e que em 2005 a chuva fez um rombo na cobertura do Estádio de Frankfurt, antes de Brasil x Argentina, pela final da Copa das Confederações. Durante minutos, houve uma cascata a despencar sobre um canto do gramado.
Verdade, eu estava lá, ao lado dos colegas Luiz Antonio Prósperi e Sebastião Moreira, a acompanhar o duelo pelo Estado, e vi a água a cair perto de uma das bandeiras de escanteio e próximo dos fotógrafos atrás do gol.
Os alemães se envergonharam, pediram desculpas e prometeram que não iria repetir-se. Revisaram todo o projeto.
Mas há um detalhe a ser levado em conta: o incidente aconteceu um ano antes do Mundial. Ou seja, com tempo suficiente para reparos.
Por aqui, estamos a 100 dias do torneio. Sempre é bom lembrar, também, que a obra mineira engoliu muitos reais.
O Mané Garrincha não ficou imune a saia-justa. Recentemente, se constataram pontos de infiltração no teto e, consequentemente, de goteiras.
A administração imediatamente tratou de consertar e alegou que se trata de falha normal em edificação suscetível de ajustes.
Calma lá: um paquiderme que engoliu 1,5 bilhão (por baixo) tem de ser mais impecável do que os palácios da Babilônia, precisa ser um brinco de diamante. Que conversa é essa?
O Itaquerão, palco de abertura do Mundial, deve ficar pronto em maio (previsão da Fifa), ou abril (promessa do construtor). A Arena da Baixada também.
Por isso, a Fifa está de cabelos em pé e o Jerôme Valcke dá pinta de que soltará os cachorros pra cima da gente tão logo terminar a farra e a entidade dele levantar acampamento. Desconfio que ele e Blatter demorarão a voltar aqui.
A todo momento, diante de um entrave em aeroportos, hotéis e trânsito, ouvimos a frase: "Imagina na Copa." Pois, meus amigos, eu me preocupo mais adiante: "Imagina depois da Copa."