Não culpem o tomate nem o petróleo 08/03/2014
- ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo
Parem de caluniar o petróleo e o tomate. Nem o tomate foi culpado pela inflação, no ano passado, nem o petróleo é o vilão da balança comercial, como andaram dizendo nos últimos dias.
Se os preços no varejo continuam subindo muito mais que no resto do mundo, é porque há desequilíbrios graves na economia brasileira, como tem havido há muitos anos.
E o comércio exterior vai mal porque a atividade interna também vai mal, com custos altos e crescentes, produtividade baixa, indústria emperrada e governo incompetente.
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Se as importações de combustíveis e lubrificantes consumiram em fevereiro US$ 3,59 bilhões, 7,9% mais que um ano antes, foi principalmente porque a produção nacional tem sido insuficiente para acompanhar a demanda.
Em janeiro a produção interna de petróleo e líquido de gás natural (LGN) foi 2,4% menor que em dezembro - apenas a continuação de uma longa queda.
O volume produzido caiu de 2,02 milhões de barris/dia em 2011 para 1,98 milhão em 2012 e 1,93 milhão no ano passado. Em contrapartida, a extração de água, em algumas áreas, passou a igualar a de petróleo.
Desde a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a interferência do governo central na condução dos negócios da Petrobrás levou a empresa a investimentos errados no Brasil e no exterior, distorceu prioridades, afetou a geração de caixa, aumentou seu endividamento e derrubou seu valor de mercado.
A perda de produção e a maior dependência da importação de derivados foram desdobramentos dessa história de irresponsabilidades.
A maior empresa brasileira foi subordinada às ambições políticas do grupo governante, usada para uma diplomacia contrária a seus interesses e convertida em instrumento de uma política industrial anacrônica.
Mas a decadência empresarial da Petrobrás explica só em parte o mau desempenho comercial do Brasil.
A cena fica mais clara quando se consideram os números do primeiro bimestre. Em janeiro e fevereiro as exportações somaram US$ 31,96 bilhões, valor 1,4% maior que o de um ano antes.
Mas a variação se torna negativa -- queda de 3,4% - quando se comparam as médias dos dias úteis (42 em 2013 e 40 em 2014).
No caso das importações, a comparação entre os valores absolutos indica um aumento de 3,6%.
Quando se confrontam as médias dos dias úteis, o resultado é uma queda de 1,4%, bem menor que a das vendas ao exterior. Em 12 meses, pelo mesmo critério, a receita diminuiu 0,9% e a despesa aumentou 4,4%.
O déficit comercial de US$ 6,18 bilhões no primeiro bimestre é um retrato de um País com graves desarranjos.
A receita obtida com a venda de produtos básicos aumentou de US$ 13,6 bilhões para R$ 14,06 bilhões, mas o valor médio diário diminuiu 1,5%.
Considerando-se a evolução dos preços, foi um bom resultado. Ruins, mesmo, foram as vendas de produtos da indústria.
A receita dos manufaturados caiu 5,6%. A de semimanufaturados diminuiu 7,2%. O problema da competitividade continua muito grave.
Além disso, o País sofre os efeitos da crise na Argentina, seu maior parceiro na América Latina e um dos principais mercados para a indústria brasileira.
Em janeiro e fevereiro as vendas para o mercado argentino, US$ 2,37 bilhões, foram 16% menores que as do primeiro bimestre de 2013.
O melhor resultado foi o das vendas para a China. A receita de US$ 5,02 bilhões nos dois primeiros meses foi 25,5% maior que a de um ano antes.
As exportações para os Estados Unidos também avançaram bem e renderam US$ 3,96 bilhões, 7,4% mais que em janeiro e fevereiro do ano passado.
Mesmo com alguma desaceleração, o mercado chinês continua absorvendo enormes volumes de matérias-primas e de bens intermediários.
Mas o comércio com os Estados Unidos tem uma composição muito mais equilibrada, porque o mercado americano absorve boa parte das exportações brasileiras de manufaturados.
Em janeiro, último mês com números detalhados até esse nível, apenas 4,5% das vendas brasileiras à China foram de manufaturados.
O total dos industrializados (com inclusão dos semimanufaturados) chegou a 25,78%. Quase metade das exportações para os Estados Unidos (45%) foi de manufaturados. Os industrializados corresponderam a 66,23%.
O Império, portanto, é um bom cliente da indústria brasileira, enquanto o grande emergente, eleito como parceiro estratégico pela diplomacia brasiliense, mantém com o Brasil um comércio de tipo colonial.
Não há nenhum mal em exportar grandes volumes de commodities. Algumas das potências mais desenvolvidas, como Estados Unidos e Canadá, também são grandes vendedoras de matérias-primas e bens intermediários.
A grande besteira cometida pelas autoridades brasilienses, a partir de 2003, foi desprezar os acordos comerciais com os mercados mais desenvolvidos, dar prioridade ao chamado comércio Sul-Sul e deixar esboroar-se o poder de competição da indústria nacional.
O agronegócio ainda se mantém competitivo, mas até quando?
A tentativa de ressuscitar políticas industriais talhadas segundo o modelo dos anos 50 e 60 produziu o efeito esperado pelas pessoas sensatas e menos provincianas.
O fracasso era tão previsível quanto os efeitos da tolerância à inflação.
A esperança de resultados melhores com a depreciação do câmbio e a reativação do mercado global é igualmente enganadora.
O câmbio é a menor parte do problema, como já mostraram os números do ano passado, e um mercado mundial mais favorável será aproveitado principalmente pelos produtores mais eficientes.
Isso é óbvio, exceto para o governo brasileiro e, curiosamente, para uma parcela dos empresários da indústria.
Mas essa parcela tem diminuído, como indicam as boas análises publicadas por algumas entidades do setor, como o Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi).