Para cima - e para baixo 16/04/2014
- O Estado de S.Paulo
É velho como a linguagem humana o ardil de pôr na boca do outro palavras que ele jamais disse, para abafar aquelas, de fato proferidas, que não se conseguem contestar.
A falsificação dos argumentos alheios visa a virar o fio do debate a fim de que o falsário se desvencilhe de sua posição claramente insustentável, na esperança de empurrar o adversário para a defensiva.
Em ambientes polidos, chama-se a isso desonestidade intelectual. No léxico da atualidade política brasileira, o nome da manobra é mais rombudo: ir para cima.
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Foi o que o ex-presidente Lula ordenou ao PT e à sucessora Dilma Rousseff para exorcizar as turbulências que se acumulam ao seu redor, ameaçando estilhaçar a fantasia de que a reeleição eram favas contadas.
Já não bastassem a inflação, o desempenho capenga da economia e o desejo de mudança em geral compartilhado, segundo as pesquisas, por 7 em cada 10 eleitores, as entranhas entrevistas da compra da Refinaria de Pasadena, envolvendo pessoalmente a chefe do governo em momentos distintos, terminaram por desencadear a chamada tempestade perfeita sobre o Planalto petista.
A primeira ida para cima da presidente foi a declaração de que não recuaria um milímetro da "disputa política" -- como aludiu à iniciativa da oposição de criar uma CPI sobre Pasadena e outras histórias mal contadas que forram a caixa-preta da Petrobrás.
A "disputa política" foi parar no STF. O problema, para o governo, é que três dias depois de tudo começar, com Dilma dando a sua versão sobre o que a fez apoiar, em 2006, a compra da refinaria, a Polícia Federal prendeu um ex-funcionário graduado da estatal, Paulo Roberto Costa, suspeito de ligações com um amplo esquema de lavagem de dinheiro.
A partir daí a imprensa começou a desembaraçar o novelo de suas relações com a empresa onde ainda conservava suficiente influência para beneficiar fornecedoras que contribuiriam para os partidos que ele indicasse.
O noticiário e sua ampla repercussão levaram Dilma a ir de novo para cima -- e para baixo.
Na segunda-feira, em um evento no Porto de Suape, em Pernambuco, ela denunciou o que seria uma "campanha negativa" contra a Petrobrás, motivada pelo alegado intento oposicionista de destruí-la para promover a sua privatização.
A teoria conspiratória não tem fundamento.
É fato que, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique -- mas não com o seu endosso, ao que se saiba -- setores do PSDB flertaram com a eventualidade de incluir a petroleira no programa de desestatização da economia.
Embora a ideia não tivesse prosperado, o PT a usou como cavalo de batalha na campanha de 2006 contra o candidato tucano Geraldo Alckmin.
Agora, ao atribuir à oposição o que nenhum de seus líderes nem sequer insinua, Dilma não apenas tenta situá-la na contramão do sentimento nacional, mas, principalmente, acobertar o descalabro em que o PT mergulhou a maior empresa do País.
A derrocada inclui, mas está longe de se limitar às "ações individuais e pontuais, mesmo que graves", a que a presidente quer confinar a crise na Petrobrás.
De má-fé, por sinal, acusou os adversários de "esconder" que em 2003, quando Lula assumiu, a petroleira valia US$ 15 bilhões, e hoje vale US$ 98 bilhões.
Ela, sim, escondeu que, em 2010, a empresa chegou a valer US$ 228 bilhões.
Nenhuma palavra, tampouco, sobre o fato de ter mandado a Petrobrás vender gasolina por menos do que pagou por ela no exterior, porque, a exemplo do que se fez no regime militar, o governo manipula o preço do combustível para segurar a inflação.
Pelo mesmo motivo, está destruindo o setor do etanol, sem condições de competir na bomba com a gasolina subsidiada.
Em nada se distinguindo de Lula, a começar do macacão alaranjado que ela e a presidente da estatal, Graça Foster, envergavam, Dilma dispensou-se, na sua diatribe, de falar da queda do ritmo da exploração e da extração de petróleo no País porque, com o caixa no osso, a Petrobrás não consegue bancar os 30% do custo das operações que a lei passou a lhe impor, para assegurar a sua prevalência nas parcerias que viesse a formar.
Não foi a oposição, mas o governo que levou ao buraco a empresa "que nosso povo construiu com tanto suor e lágrimas".