"Lula é Dilma, Dilma é Lula: Dilma é o pseudônimo de Lula" –- a mensagem, propagada incessantemente, produziu os efeitos desejados nas eleições de 2010.
Contudo, para além do teatro eleitoral, será verdadeira?
Mais que interesse intelectual, a questão tem evidente relevância política quando soam as cornetas do "Volta, Lula!".
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"Volta, Lula!" é a bandeira de uma facção do PT, mas, sobretudo, de setores do alto empresariado, que a difundem com discrição, operando nas sombras.
Por motivos distintos, esses dois grupos acreditam que não: Dilma não é Lula.
Os petistas engajados no neo-sebastianismo creem que Lula possui "habilidade política" superior, um eufemismo para louvar o desembaraço do ex-presidente na arte da distribuição de fragmentos da máquina pública aos "companheiros".
Os empresários empenhados na mesma campanha, por sua vez, elogiam o "pragmatismo" lulista, que deve ser traduzido como um desprezo básico por qualquer tipo de convicção ideológica –- e uma propensão irrefreável a distribuir a bolsa-empresário do BNDES aos magnatas "companheiros".
De certo modo, uns e outros têm razão.
Dilma pode não ser a gerente perfeita, uma lenda que sobrevive apenas entre fanáticos oficialistas, mas conserva uma ética gerencial fundada no conceito de eficiência absolutamente estranha a Lula.
A substituição do militante Gabrielli pela administradora Graça Foster na Petrobras é uma prova dramática da diferença.
Ao mesmo tempo, Dilma acredita realmente no modelo do capitalismo de Estado.
Oriunda do brizolismo, petista da undécima hora, a presidente nutre uma desconfiança fundamental em relação ao mercado.
Não é fortuito que, resistindo às pressões de Lula, ela tenha bancado a permanência de um cambaleante Guido Mantega na pasta da Fazenda.
Lula só acredita no que serve às suas conveniências de poder: o ex-presidente pode ser "mercadista" ou "estatista", conforme as circunstâncias.
Dilma também pode ser "mercadista", mas apenas a contragosto, premida pela conjuntura -– ou por Lula.
É por isso que a ala "desenvolvimentista" do PT prefere Dilma a Lula.
André Singer, um arauto dessa ala, justificou a preferência em coluna publicada na Folha (9/11/13).
Caracteristicamente, o texto descrevia uma suposta conspiração dos "donos do dinheiro", conduzida pela afinada "orquestra" do mercado financeiro (o FMI, a revista "Economist" e a agência Moody's) contra o indômito governo Dilma.
E, como conclusão, sugeria que Lula desempenhava um papel na macabra trama "mercadista".
Dilma, então, não é Lula, do ponto de vista dos interesses dos magnatas nacionais, dos petistas ocupados noite e dia na colonização do aparelho de Estado e da ala convictamente estatista do PT.
Contudo, no que concerne aos interesses da esmagadora maioria dos brasileiros, Dilma é o pseudônimo de Lula pelo simples motivo de que a presidente de direito não exerce a plenitude do poder presidencial.
Dilma é Lula no sentido bem preciso de que, nos momentos cruciais, a prerrogativa de decidir repousa nas mãos do presidente de facto.
Lula, o "pragmático", não Dilma, a "estatista", deflagrou a política econômica estatista durante seu segundo mandato.
O mesmo Lula, não Dilma, deu o sinal de mudança de rota no ano passado, quando a falência do modelo tornou-se evidente para todos (exceto, claro, para os ideólogos "desenvolvimentistas").
Dilma poderia, em tese, ter obtido um grau razoável de independência –- mas o fracasso de seu governo impediu que a criatura se libertasse da tutela do criador.
Hoje, às vésperas das eleições, tal como há quatro anos, Dilma carece de qualquer lastro político próprio.
Num eventual segundo mandato (que o céu nos proteja!), a presidente permaneceria tão refém de Lula quanto sempre foi.
"Volta, Lula"?
Lula nunca saiu –- como Lula e Dilma asseguram, nesse caso com razão.
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*Doutor em geografia humana, é especialista em política internacional.